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    Edgard Alves

    Os Jogos do Rio e a trégua olímpica

    27/10/2015 02h00

    Um apelo internacional pela paz durante as disputas dos Jogos do Rio, ano que vem, foi aprovado nesta segunda (26) na 70ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) por 180 dos 193 países membros daquela organização.

    Essa trégua, proposta desde Barcelona-92 e sempre renovada com a aproximação de cada nova Olimpíada, rememora convenção dos Jogos da Antiguidade na Grécia, quando os conflitos eram paralisados temporariamente até o final do evento.

    Qualquer situação bélica no mundo repercute e representa ameaça aos Jogos Olímpicos. Desta vez, no Rio, o evento vai reunir delegações de 206 comitês olímpicos nacionais.

    Com certeza, alguns dos países responsáveis por esses comitês estarão envolvidos em conflitos na época dos Jogos, tornando o evento vulnerável a interferência possível, independente da vontade e do controle dos organizadores, do Comitê Olímpico Internacional e dos demais participantes.

    A solicitação da trégua olímpica é um gesto diplomático, um apelo, para que os Jogos, como idealizados pelo movimento olímpico internacional, sejam uma confraternização universal, com solidariedade e com tolerância.

    Tomadas por tal espírito, as Olimpíadas têm caminhado sem sobressaltos nos últimos tempos, após os traumas de tristes episódios de décadas passadas. Vale citá-los sempre para reavivar a memória. Em Munique-72, palestinos mataram judeus nos alojamentos da Vila Olímpica, ação que terminou com a morte deles e de reféns. Uma tragédia.

    Quatro anos depois, em Montreal-76, 24 países africanos se negaram a competir em protesto pela não punição à Nova Zelândia, que havia quebrado acordo internacional contra o apartheid, regime segregacionista, racista, naquele tempo em vigor na África do Sul.

    Na sequência, em protesto contra a invasão pela então União Soviética do território do Afeganistão, os EUA lideraram um boicote, que arregimentou 60 aliados, esvaziando a Olimpíada de Moscou-80. O troco foi dado em Los Angeles-84, quando países do bloco socialista não foram aos Jogos.

    Teve ainda outro boicote, resultado do embate entre as Coreias. Os norte-coreanos se recusaram a ir à Seul-88, sendo seguidos por Cuba, Etiópia e Nicarágua, embora estes tenham apresentado outras justificativas para as ausências.

    Manifestações dessa natureza repercutem na mídia e na política internacionais. No campo meramente esportivo também deixam cicatrizes.

    Na abertura de um fórum mundial sobre olimpismo, em Moscou, na semana passada, o alemão Thomas Bach, presidente do COI, criticou os boicotes políticos a eventos esportivos. Para ele, é uma forma de discriminação que vai contra a carta olímpica.

    Bach destacou ainda sua própria frustração por ter ficado alijado dos Jogos de 80, naquela mesma capital. Ouro na esgrima por equipes, com a Alemanha Ocidental, quatro anos antes, no Canadá, não pôde tentar o bi porque seu país aderiu ao boicote.

    No fórum, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pediu uma resolução da ONU para que a política seja separada do esporte no direito internacional. Seria isso viável? Em novembro passado, a ONU já reconheceu a autonomia do esporte e do COI, um incentivo na busca pela neutralidade política, redução das discriminações e boicotes.

    Na verdade, o telhado da Rússia está sensível, levando-se em conta que o país ocupa militarmente parte da Ucrânia. Esta situação provocou uma saia justa ontem, quando a Ucrânia se absteve de assinar o documento, apontando que a Rússia teria desrespeitado a trégua durante a Olimpíada de Inverno de Sochi, ano passado.

    Naqueles Jogos também por causa de uma lei russa, com a qual ativistas gays não concordavam, houve ameaça de boicote. O governo russo teve de negociar para afastar o risco.

    Como contribuição à trégua, o comitê Rio 2016, responsável pela organização da Olimpíada, propôs campanha de defesa dos direitos das crianças, com ações que foquem na proteção e na educação de meninos e meninas em todo o mundo.

    Por todas as motivações citadas, a ida do comitê brasileiro à ONU certamente representou um trunfo para alavancar a trégua mundial durante os Jogos. Nesse contexto, um gesto semelhante para estimular a segurança e a paz local não deve ser descartado.

    edgard alves

    Jornalista esportivo desde 1971, escreve sobre temas olímpicos. Participou da cobertura de seis Olimpíadas e quatro Pan-Americanos. Escreve às terças.

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