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    Edgard Alves

    Suspeitas sobre a Rio-2016 mancham evento que superou expectativas

    07/03/2017 02h00

    Cerca de seis meses após o encerramento dos Jogos Olímpicos de 2016, uma nuvem de suspeitas polui o clima de sucesso daquele evento no Rio de Janeiro. A escolha da cidade para sede da Olimpíada, ocorrida em 2009, em Copenhague, na Dinamarca, teria sido alavancada por suborno?

    O jornal francês "Le Monde" apontou nessa direção na última sexta-feira (3) ao denunciar que o empresário Arthur Cesar de Menezes Soares Filho, amigo de Sérgio Cabral –então governador do Rio e hoje presidiário que responde por corrupção– teria pago cerca de US$ 1,5 milhão (R$ 4,6 milhões) ao filho de um integrante do COI durante o processo de escolha do Rio para sede dos Jogos.

    Soares Filho, que recebeu quase R$ 3 bilhões por contratos assinados com o Estado durante a gestão Cabral, é investigado na Operação Calicute, uma das vertentes da Lava Jato.

    A defesa de Soares Filho disse na sexta que seu cliente desconhecia as informações publicadas pelo jornal "Le Monde". O Comitê Rio-2016, por sua vez, afirmou que a vitória brasileira foi limpa e que a entidade não tem nenhuma relação com aquele empresário.

    Cabral, o ex-presidente Lula e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes participaram ativamente da campanha da cidade na disputa pelo direito de abrigar os Jogos. O trio, inclusive, fez campanha e esteve presente no encontro decisivo da escolha, na Dinamarca.

    Inicialmente, em 2008, após receber questionários de sete candidatas, o COI (Comitê Olímpico Internacional) analisou 11 critérios de avaliação e escolheu quatro entre aquelas postulantes com nota acima de 6, corte para que a cidade fosse considerada em condições. Doha, Praga e Baku acabaram eliminadas. Restaram Tóquio (nota 8,3), Madri (8,1), Chicago (7,0) e Rio (6,4).

    Na escolha final, em outubro de 2009, Chicago caiu na primeira votação e Tóquio, na segunda. Na decisão, o Rio superou Madri por 66 votos a 32. Pela primeira vez na história, a Olimpíada seria na América do Sul.

    Naquela oportunidade, o governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, insinuou que operações suspeitas nos bastidores tinham pesado na escolha do Rio, fato que levou o comitê brasileiro a protestar junto ao COI.

    Posteriormente, Tóquio foi escolhida para sede dos Jogos 2020 e acabou colocada em situação similar. Mais incrível é que as suspeitas, reveladas pelo jornal "The Guardian", envolveram também o senegalês Papa Massata Diack , filho de Lamine Diack, ex-presidente da federação internacional de atletismo e ex-membro do COI, agora apontados no caso do Rio.

    Lamine é investigado pela Justiça francesa por corrupção e acobertamento de doping. Trocando em miúdos, Tóquio cuspiu para cima e recebeu o cuspe de volta.

    O ex-velocista namíbio Frankie Fredericks, três vezes prata em Barcelona e Atlanta, que também figura como suspeito por ter recebido US$ 300 mil (cerca de R$ 930 mil) de Papa Diack na data da votação em Copenhague, pediu afastamento da federação internacional de atletismo.

    Naquela ocasião, ele era presidente da Comissão de Atletas do COI e encarregado de supervisionar a lisura da votação. Agora integrava a equipe que reavalia a readmissão da Rússia, suspensa por doping. Justificou a saída como atitude para não prejudicar a integridade do grupo.

    O jornalista Juca Kfouri relembrou em seu blog no UOL um episódio curioso sobre a escolha do Rio. "Então, em Copenhague, assim que o envelope foi aberto com o nome do Rio dentro, João Havelange fez questão de abraçar, em primeiríssimo lugar, a sinistra figura de Jean-Marie Weber, o 'homem da mala', proscrito do mundo do esporte, mas presente àquela reunião."

    A comissão de ética do COI adiantou que investiga a acusação levantada pela Justiça da França e divulgada pelo jornal. Como a Olimpíada já aconteceu, o procedimento pode ser mais uma tentativa de resposta à opinião pública e respaldo às postulantes futuras.

    Concorrência desleal, no entanto, é prática condenável em qualquer circunstância. Por isso, tais denúncias precisam ser apuradas com rigor. Independentemente do resultado final da investigação, a bruma que tomou o horizonte na história da Rio-2016 vai deixar sua marca para sempre.

    edgard alves

    Jornalista esportivo desde 1971, escreve sobre temas olímpicos. Participou da cobertura de seis Olimpíadas e quatro Pan-Americanos. Escreve às terças.

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