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    Eduardo Giannetti

    A idolatria do PIB

    18/07/2014 02h00

    O PIB é uma invenção recente. A ideia de medir a variação do valor monetário dos bens e serviços produzidos a cada ano surgiu no período entreguerras, mas foi só nos anos 50 que os órgãos oficiais passaram a publicar dados de PIB para os diferentes países. Adam Smith, Ricardo, Marx e Mill jamais foram instados a prever o PIB do ano ou trimestre seguintes.

    De lá para cá, o culto do PIB como métrica de sucesso ou fracasso das nações virou uma espécie de religião do nosso tempo. O crescimento é o objetivo supremo em nome do qual governos são eleitos ou rejeitados nas urnas e um antropólogo marciano poderia até imaginar que a sigla PIB nomeia a nossa divindade-mor na vida pública enquanto o consumo dá sentido à existência na esfera privada.

    Além do passivo ambiental, a idolatria do PIB tem causado graves prejuízos ao bem-estar humano. Dois exemplos recentes ilustram isso.

    Uma pesquisa pioneira, publicada no periódico "Proceedings of the National Academy of Sciences" em 2013, comparou populações sujeitas a diferentes níveis de poluição do ar nas regiões norte e sul da China e avaliou o seu impacto de longo prazo (décadas) sobre a saúde (doenças cardiovasculares e câncer de pulmão).

    O estudo mostra que uma elevação de 100 microgramas de matéria particulada por metro cúbico de ar corresponde a uma redução de três anos na expectativa média de vida ao nascer. Como a diferença entre o norte e o sul da China é de 185 microgramas por metro cúbico, isso significou uma perda de cinco anos e meio de vida per capita para os habitantes do norte em relação ao sul.

    Some-se a isso o fato de que 10% da terra cultivável na China está contaminada por poluentes químicos e metais pesados, e que metade da água suprida nas cidades é imprópria para banho, e se verá que o espetáculo do PIB chinês, como um Otelo sem Iago, oculta um elemento crucial da trama.

    No Brasil, o afã de acelerar o crescimento no curto prazo levou o governo a tomar um atalho. Em vez de concentrar esforços na melhoria do transporte coletivo, optou-se por medidas de estímulo à venda de automóveis: isenções tributárias, crédito farto e gasolina subsidiada. Entre 2003 e 2013, a frota de carros particulares passou de 23,6 milhões para 43,4 milhões de veículos.

    O resultado do erro pode ser medido em tempo de vida. Um cidadão que gaste três horas por dia em média para ir e vir do seu local de trabalho ou estudo passará cerca de quatro anos e meio da sua vida encalacrado no inferno urbano das nossas metrópoles. O PIB silencia, mas o bem-estar acusa.

    Pior que crescer pouco ou crescer mal, só mesmo uma combinação judiciosa das duas coisas. E não é que o Brasil tem conseguido!

    Eduardo Giannetti

    Escreveu até dezembro de 2014

    É formado em economia e em ciências sociais pela USP e PhD em Economia pela Universidade de Cambridge. É autor de artigos e livros, entre eles "Vícios privados, benefícios públicos?"

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