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    Eduardo Sodré

    Pedras no caminho

    14/02/2016 02h00

    Um vulto lança algo em direção à janela do carro, e o vidro explode com o impacto. Dentro do veículo, gente com o cansaço feliz de fim de festa, voltando para casa pelo Aterro do Flamengo, zona sul do Rio. São 4h30 da manhã da segunda-feira de Carnaval.

    Márcio André Santos Lopes, 31, é atingido na cabeça. Ele está no banco traseiro, pois havia contratado um serviço de transporte para ir com a família ao evento na Marina da Glória. Na cabine, o reboco de 3 kg denuncia que algo grave ocorrera.

    O motorista pensa rápido e segue até o primeiro hospital que vem à lembrança. Se parasse, a pessoa que atirou o pedregulho abordaria o carro, e não seria para prestar socorro.

    Com afundamento do crânio, Márcio passa por cirurgia de emergência. Uma placa metálica é implantada em sua cabeça. Dali em diante, serão três dias na UTI.

    Para os médicos, a boa forma de Márcio -ele é professor de educação física- ajudou a evitar o pior. A recuperação vai bem, mas a vida parou. Aulas, doutorado, férias. Tudo ficou para um futuro indefinido.

    Indefinido também é o futuro de quem atirou a pedra. O fato de estar ali, às 4h30 da manhã, procurando algo ou alguém para roubar, faz dele vítima de um crime secular, o descaso. Ninguém opta por esse destino por má índole.

    Nada foi levado, exceto a esperança de que o futuro sonhado para a mobilidade será viável no Brasil. Imagine se o carro fosse autônomo. Assim que o vidro estourasse, os sistemas de segurança o levariam a parar. Além do iminente assalto, não seria possível levar o professor imediatamente ao hospital.

    Ou seja: para que a grande aposta para a mobilidade urbana funcione no Brasil, será preciso mudar toda a estrutura de segurança pública, começando por dar oportunidades e educação a quem tem apenas uma pedra nas mãos.

    Se isso parece longe de acontecer, imagine quanto tempo irá demorar para carros rodarem por aqui sem motorista.

    eduardo sodré

    Carioca, é especializado no setor automotivo, que cobre desde 1999. Escreve aos domingos, mensalmente.

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