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    Elio Gaspari

    Lembra do filminho dos banqueiros?

    02/11/2014 02h00

    Segundo a repórter Claudia Safatle, Nosso Guia fez três sugestões à doutora Dilma para o lugar de Guido Mantega: Henrique Meirelles, Luiz Carlos Trabuco e Nelson Barbosa, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda. Cada um é cada um, mas o simples fato de se colocar Meirelles na roda mostra como as campanhas eleitorais têm uma opção preferencial pela mistificação.

    Quando a educadora Neca Setúbal defendeu a autonomia do Banco Central, o PT crucificou Marina Silva e produziu uma peça histórica: um filmezinho mostrava uma família de trabalhadores de cuja mesa sumia a comida, fazendo contraponto com uma reunião de banqueiros sorridentes. Pudera. A família de Neca Setúbal é grande acionista do maior banco do país, o Itaú, e nele seu irmão Roberto é o principal executivo.

    Lula deve ter seus motivos para sugerir o nome de Trabuco, presidente do Bradesco, que vem a ser o segundo maior banco. É na entrada de Meirelles na lista de Nosso Guia que a porca torce o rabo. Ex-presidente do Banco de Boston, ele dirigiu o Banco Central de 2003 a 2010 e sua administração foi vista como um dos fatores que mantiveram o barco petista à tona no mundo financeiro.

    Neca defendeu a autonomia do Banco Central botando a cara na vitrine. Numa conversa protocolar com o embaixador americano Clifford Sobel, em agosto de 2006, Meirelles fez a mesma coisa, no escurinho do cinema. Segundo a narrativa de Sobel ao Departamento de Estado, "Meirelles pediu que o governo dos Estados Unidos use discretamente sua relação com o governo brasileiro para discutir a importância de levar ao Congresso uma legislação garantindo essa autonomia". Nesse mesmo encontro, sempre segundo Sobel, Meirelles mostrou-se disposto a ajudar "nos bastidores" para a criação de um clima amigável para os investimentos americanos no Brasil.

    O comissariado e muita gente boa condenam a ideia de se dar autonomia ao Banco Central, mas quando o Comitê de Política Monetária sobe os juros três dias depois de uma eleição, sente-se cheiro de queimado naquilo que a doutora Dilma chama de "independência". No barato, o Copom podia divulgar as transcrições dos debates dessas reuniões. O Federal Reserve americano, que tem autonomia, faz isso, respeitando um embargo de alguns anos.

    O telegrama de Sobel foi revelado pelo WikiLeaks em 2011. Conhecem-se dezenas de milhares de documentos da diplomacia americana no Brasil. Pouco são tão explícitos. Isso pode ser atribuído ao fato de que Sobel era um empresário republicano de Nova Jersey, premiado por George W. Bush com uma embaixada. À época da divulgação do telegrama, Meirelles não estava mais no governo e deu uma breve explicação, informando que "as palavras que me foram atribuídas não refletem adequadamente os assuntos das conversas que tive". Sobel não quis comentar a matéria, o comissariado fez que não percebeu, e a vida seguiu.

    Passaram-se oito anos do encontro narrado por Sobel, outros três da divulgação do telegrama e a autonomia do Banco Central entrou na máquina de moer gente da campanha eleitoral. De duas uma: Lula não soube do telegrama de Sobel ou não viu o filminho da família triste e dos banqueiros alegres.

    *

    Serviço: O telegrama do embaixador está na rede: wikileaks.org/cable/2006/08/06BRASILIA1725.html

    CORPO MOLE
    Quem conhece os bastidores das gestões judiciais e diplomáticas do pedido de extradição do mensaleiro Henrique Pizzolato ficou com a impressão de que o comissariado fez corpo mole, conformando-se com a possibilidade de sua libertação.

    É certo que num determinado momento o Ministério da Justiça pensou em deixar a batata quente nas mão do Supremo.

    ÀS CLARAS
    Poucas vezes um comissário foi tão claro como o presidente do PT, Rui Falcão, ao tratar da tramitação do projeto de reforma política proposto pela doutora Dilma:

    "Nós, como partido que tem relações com os movimentos sociais, só vamos obter a reforma política com mobilizações. Só pelo Congresso Nacional, seja na configuração atual, seja na futura, será praticamente impossível."

    Se é impossível dentro das normas constitucionais vigentes, impossível será. Falcão argumenta com um ingrediente: a capacidade de mobilização do PT e dos seus "movimentos sociais". Em bom português, quer a pressão da rua. E se à sua pressão corresponder uma reação contrária, na mesma rua?

    LIÇÃO DE OBAMA
    É provável que na noite de terça-feira os Democratas do companheiro Obama perderão a maioria no Senado. Com isso ele passará os dois últimos anos de seu governo sem popularidade e com um Congresso republicano. No final da campanha os candidatos de seu partido preferiam não tê-lo nos palanques.

    O companheiro deixa duas lições para a doutora Dilma:

    1) Ele achou que podia deixar o Congresso de lado.

    2) Vai daí, desdenhou as lideranças de seu partido no Legislativo.

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    EREMILDO VAI AO CASAMENTO DE SUZANE

    Eremildo é um idiota heterossexual, está solto e, salvo algumas multas por jogar guimbas de cigarros na ruas do Rio, nada deve à Viúva. Tendo perdido a festa de casamento de George Clooney com a linda Amal Alamuddin, não quer faltar ao enlace de Suzane von Richthofen com "Sandrão".

    Em 2002 Suzane e dois cúmplices mataram a pauladas seu pai engenheiro e esganaram a mãe psiquiatra. Com o umbigo de fora e tristinha, ela foi ao sepultamento dos pais.

    Ela está no presídio do Tremembé, pagando uma pena de 39 anos. "Sandrão" (Sandra Regina Ruiz Gomes) sequestrou um garoto de 14 anos, seu vizinho. A quadrilha embolsou um resgate de R$ 3.000 e matou-o com um tiro na cabeça. Esse é seu segundo casamento, no primeiro juntou-se com uma senhora que havia esquartejado o marido. Paga 24 anos de prisão e mais 105 dias por ter encestado um agente penitenciário. Em números globais, "Sandrão" e Suzane custam à Viúva investimentos semelhantes ao de seis alunos de universidades públicas.

    Para continuar ao lado de "Sandrão", Suzane obteve a revogação da sua transferência para um regime semiaberto. Depois da cerimônia, o casal retornará à cela especial do Tremembé, onde convivem oito matrimônios, num código que proíbe brigas e adultérios. Caso uma presa resolva interromper a relação, obriga-se a seis meses de quarentena afetiva.

    Eremildo soube que os presos heterossexuais só têm direito a visitas semanais, por algumas horas. Mesmo sendo um idiota, ficou com a impressão de que optou pela orientação sexual errada.

    elio gaspari

    Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.

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