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    Elio Gaspari

    Um teste para a doutora

    12/11/2014 02h00

    Pelo andar da carruagem, a doutora Dilma sancionará o projeto aprovado há poucas semanas pelo Senado alterando a maneira de calcular as dívidas de Estados e municípios com a Viúva. É coisa de R$ 500 bilhões que deveriam ser devolvidos à União nos próximos 25 anos. O que o Congresso aprovou é uma farra. Sancioná-la significará substituir a Lei da Responsabilidade Fiscal, uma herança bendita do tucanato, pela prática maldita da irresponsabilidade fiscal.

    No século passado Estados e municípios quebrados transferiram suas dívidas para a bolsa da Viúva e aceitaram um indexador para quitá-las. Agora, querem mudá-lo, para pagar menos. Com a nova metodologia, a União perderá R$ 59 bilhões de receita, R$ 1 bilhão em 2015. Isso num cenário em que, pela primeira vez desde que o Brasil voltou a ter moeda, o governo federal fechou um mês com deficit de R$ 15,7 bilhões. Mais: para melhorar sua contabilidade, o ex-ministro da Fazenda no exercício interino do cargo anuncia cortes nos programas de auxílio-desemprego, abono salarial e auxílio-doença.

    Se a questão central fosse dar folga aos governadores e prefeitos, a solução já seria condenável, mas não se trata apenas disso. O Congresso já havia elevado o teto de endividamento permitido aos Estados e municípios. Era de 120% da receita líquida e passou a ser de 200%. Ou seja, quem deve e não quer cumprir o contratado está autorizado a dever mais.

    A farra foi aprovada porque beneficia todos os devedores, mas há um elefante na sala. É a prefeitura petista de São Paulo, que herdou dívidas de R$ 62 bilhões de seus antecessores. Com a nova conta, passará a dever R$ 36 bilhões. A gracinha fará com que a União refresque as contas do mais poderoso município do país, abrindo mão de uma receita que é de todos. Com a novidade, São Paulo poderá tomar emprestados até R$ 4 bilhões.

    Arrecadando menos, a União terá que equilibrar suas contas. Poderá cortar gastos ou buscar outras fontes de receita, precisamente o contrário daquilo que a doutora Dilma prometia durante a campanha.

    A irresponsabilidade fiscal tem um componente político. Refrescando-se os devedores fatura-se imediatamente a simpatia de governadores e prefeitos, mandando-se o grosso da conta para as administrações federais vindouras. Esse foi um dos ingredientes da receita que levou o Brasil à "década perdida".

    A "contabilidade criativa" produz dois tipos de vítimas. As primeiras são os Estados e municípios onde governadores e prefeitos evitaram dívidas ou quitaram honradamente seus compromissos. Fizeram papel de bobos. Depois virão os contribuintes. Eles pagarão à Viúva mais taxas e impostos, ou receberão menos serviços públicos. Em geral, acontecem as duas coisas. O comissário Fernando Haddad, que batalhou pelo ciclismo fiscal, está na Justiça lutando por um aumento do IPTU.

    O comissário Miguel Rosseto acha que a aprovação do projeto pelo Senado foi uma "sinalização importante". Outros sinais também sugerem que a doutora Dilma sancionará a farra. Fará isso para satisfazer sua base pluripartidária e para irrigar a administração petista de São Paulo. Fala em fazer o "dever de casa", mas sempre poderá dizer que chegou atrasada ao dia da prova.

    elio gaspari

    Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.

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