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    Elio Gaspari

    O 'Japonês da Federal' e a Escola Base

    21/02/2016 02h00

    Logo depois do juiz Sergio Moro, a maior estrela da Operação Lava Jato é Newton Ishii, o "Japonês da Federal". Com roupas pretas, óculos escuros, coturnos e até mesmo luvas, ele tornou-se personagem de uma divertida marchinha de Carnaval, alegrou a folia com suas máscaras e há dias foi cortejado na Câmara dos Deputados. Sua glória veio da frequência com que apareceu escoltando maganos a caminho do cárcere de Curitiba.

    Em 1994, Icushiro Shimada, dono da Escola Base, em São Paulo, foi preso e demonizado juntamente com a mulher, mais uma professora e um motorista sob a acusação de abusar sexualmente de crianças de quatro anos. As denúncias partiam de um delegado que conduzia as investigações. As paredes da escola foram pichadas com insultos e eles comeram o pão que o Tinhoso amassou. Três meses depois, o Ministério Público pediu o arquivamento do inquérito porque nele não havia indício da prática dos crimes. Os acusados processaram o governo de São Paulo e os grandes jornais e emissoras que divulgaram as notícias. Desde 1996, venceram em diversas instâncias.

    O "Japonês da Federal" tornou-se um símbolo da eficiência e rigor da instituição. O FBI, seu similar americano, também tem seus ícones. John Proctor (inspiração para Gene Hackman no filme "Mississippi em Chamas") desvendou o assassinato de três jovens defensores dos direitos dos negros. Melvin Purvis participou da caçada a assaltantes como John Dillinger. No FBI, não há agente famoso com carreira tisnada.

    A ficha funcional de Ishii não reflete a qualidade profissional dos servidores da instituição. Sua notoriedade diverte, mas embaça. Ela foi tisnada em 2003. Aqui e ali essa circunstância é noticiada, sempre parecendo uma irrelevância. O repórter Marcelo Auler foi buscar os fatos.

    Ishii entrou para a Polícia Federal por concurso nos anos 70. Em março de 2003, servindo em Foz do Iguaçu, foi preso pela própria instituição, acusado de facilitar o contrabando. Nesse arrastão entraram 44 pessoas, inclusive 23 agentes da PF e alguns servidores da Receita Federal. Ele passou pelo menos dois meses na cadeia e teve dois pedidos de habeas corpus negados. Solto, aposentou-se. Mesmo assim, foi desligado da Polícia Federal em 2009.

    Passaram-se 12 anos e, olhando-se para o caso, surge um retrato da incapacidade do sistema administrativo e judicial brasileiro de condenar culpados ou absolver inocentes. Até hoje Ishii nunca foi condenado, nem absolvido.

    Em 2012, o Superior Tribunal de Justiça anulou por defeito processual a sanção disciplinar a que Ishii foi submetido, reintegrando-o aos quadros da PF. Os crimes de que ele era acusado estavam prescritos. Ainda existe um recurso dos servidores presos em 2003 à espera de julgamento no STJ. A defesa de Ishii diz que entre as provas apresentadas contra ele há transcrições adulteradas de telefonemas interceptados. (Alô, alô, Lava Jato.)

    Durante dez anos, Ishii esteve afastado da PF. Voltou no início de 2014 por determinação do Tribunal de Contas da União, que o obrigou a trabalhar por mais dois anos e meio para justificar a aposentadoria. Numa trapaça da vida, quando o "Japonês da Federal" aparece escoltando um magano, ambos estão ali cumprindo determinação de um tribunal (se é que se pode chamar o TCU de tribunal). Em maio, Ishii voltará a ser um policial aposentado.

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    QUIROMANCIA

    Numa das mais importantes decisões de sua história, o Supremo Tribunal Federal abriu a porta da cadeia para as pessoas condenadas na primeira e segunda instância. Leia-se: os personagens condenados pelo juiz Sergio Moro cujas sentenças vierem a ser confirmadas pelo Tribunal Federal da 4ª Região irão para a tranca, mesmo que apresentem recursos aos tribunais de Brasília.
    Na votação (7x4) ficaram em lados distintos o atual presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski (com a minoria), e a ministra Cármen Lúcia, que assume a presidência do tribunal em setembro (na maioria).

    Esse detalhe fortalece o palpite de que a ministra vem com a faca nos dentes.

    NOVA SAFRA

    A decisão do Supremo Tribunal abrirá uma nova safra de colaborações com a Viúva.

    Mesmo para os réus endinheirados, esse caminho será prático e, sobretudo, econômico.

    O DRAGÃO CUNHA

    A vitória do Planalto na eleição de Leonardo Picciani para a liderança do PMDB indica que ele está mais para dragão de biombo do que para fera.

    ERRO

    No último domingo o signatário escreveu que em 1938 a Alemanha e a União Soviética acertaram-se, assinaram o Pacto de Munique e fritaram a Polônia.

    TUDO ERRADO

    Os chanceleres Molotov e Ribbentrop acertaram os ponteiros da Alemanha nazista com a União Soviética em 1939. No Pacto de Munique, a Alemanha acertou-se com a Inglaterra e a França. A União Soviética nada teve a ver com ele.

    Corrigido o erro, vale repetir que, para aprovar a CPMF, a doutora Dilma precisará fazer algum tipo de pacto com Eduardo Cunha.

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    FECHOU-SE O ALÇAPÃO DO ANDAR DE CIMA

    Voto vencido na decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu o encarceramento de pessoas condenadas na segunda instância do Judiciário, o ministro Celso de Mello disse que o princípio do trânsito em julgado é um "velho princípio, detestado por regimes autocráticos. Os regimes autocráticos temem a liberdade".

    É verdade, as ditaduras detestam dar direitos a quem querem condenar, mas a analogia do ministro não fica em pé. Os Estados Unidos não são um regime autocrático e lá os condenados vão para a cadeia depois da sentença da primeira instância ou do julgamento do recurso na etapa seguinte. Outros argumentos da minoria da corte podem render bons debates. Esse, não.

    O caroço da jabuticaba está no tempo que o Judiciário leva para julgar o último recurso do condenado. À primeira vista, o Brasil tem até quatro instâncias até um caso terminar no Supremo. Contando-se as camadas internas da burocracia judiciária, podem passar de dez. Se o processo vai ao STF, a espera pode totalizar uns bons cinco anos, durante os quais o condenado fica solto, podendo ser beneficiado pela prescrição do crime. Recorrer aos tribunais de Brasília custa os tubos, não é coisa para o andar de baixo.

    A reviravolta provocada pela decisão do Supremo não tira ao condenado preso o direito de recorrer. Apenas leva-o a abandonar qualquer interesse pela procrastinação dos seus recursos.

    elio gaspari

    Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.

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