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    Elio Gaspari

    Temer é solução porque evita a eleição

    27/03/2016 02h00

    A Odebrecht enriqueceu o idioma politico nacional quando um de seus cleptotécnicos chamou de "Setor de Operações Estruturadas" seu departamento de pixulecos. As planilhas onde a empresa listou 316 maganos que amamentava apressaram a montagem de outro setor de operações estruturadas, poderoso e multipartidário.

    Seu objetivo principal é obter a ascensão de Michel Temer à Presidência. Vale ressaltar que na planilha da Odebrecht estão os nomes de todos os marqueses dos grandes partidos, menos o dele.

    Temer é um estuário de esperanças. Junta os cidadãos que detestam o PT, os eleitores que passaram a detestar a doutora Dilma, os empresários atônitos com a paralisia do Estado e sobretudo os políticos e fornecedores do governo, aterrorizados com a atividade do Ministério Público.

    Temer é acima de tudo conveniente. Vota-se o impedimento da doutora, ele assume, reduz a tensão, forma um ministério de celebridades, consegue uma trégua (sobretudo na imprensa), leva para o governo gente que perdeu a eleição e impõe seu estilo tolerante, tranquilizando os comissários depostos. Se for possível, ajuda a preservar a vida pública de seus correligionários que temem a chegada dos rapazes da Federal. Essas seriam as esperanças.

    Outra coisa é aquilo que o caminho do impedimento garante. Se não houver a deposição da doutora, haverá o risco da cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, que levaria à convocação de uma eleição presidencial imediata e direta. Isso não interessa à oligarquia ferida pela Lava Jato nem ao andar de cima da vida nacional. Não interessa porque não tem candidato à mão e porque a banda oposicionista que está encalacrada na Lava Jato sabe que deve evitar a avenida Paulista e o julgamento popular.

    Temer convém por muitos motivos, sobretudo porque evita a eleição. A serviço dessa circunstância move-se o setor de operações estruturadas. Ele não funciona como o da Odebrecht. Não tem sede, comando nem agenda detalhada. Toca de ouvido e conversa em silêncio. Quando foi necessário, aprendeu a conviver com o PT, dando-lhe conforto. Ele só não consegue conviver com a Lava Jato.

    Ninguém quer rogar praga contra um eventual governo Temer, mas que tal um advogado de empreiteiras no círculo dos marqueses do Planalto ou mesmo no Ministério da Justiça?

    *

    ODEBRECHT

    Em outubro de 2014, quando o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa contou suas traficâncias ao Ministério Público, Marcelo Odebrecht assinou uma "nota de esclarecimento" na qual queixou-se de "alguns veículos" da imprensa por tratarem como verdadeira a "denúncia vazia de um criminoso confesso que é 'premiado' por denunciar a major quantidade possível de empresas e pessoas".

    Uma verdadeira aula.

    Na semana passada a Odebrecht anunciou sua disposição de prestar "colaboração definitiva com as investigações da Operação Lava Jato." Quem souber o que vem a ser "colaboração definitiva" ganha um fim de semana em Angra, com direito a tornozeleira.

    Continuando em seu tom professoral de 2014 a empresa diz que a Lava Jato revelou "a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país".

    Tudo bem, antes da Lava Jato os doutores não sabiam de nada. Nem depois, visto que em novembro passado, com Marcelo na cadeia, continuavam aspergindo capilés.

    O Ministério Público informa que não há negociação em andamento para se obter a colaboração definitiva ou provisória da Odebrecht.

    RECORDAR É VIVER

    Diante da planilha do "Setor de Operações Estruturadas" da Odebrecht é bom lembrar que em 1995 caiu no colo do tucanato a "Pasta Rosa", com a contabilidade político-eleitoral da Federação Brasileira dos Bancos. Ela era muito mais rica e mais bem documentada do que a papelada da Odebrecht.

    O tucanato sentou gloriosamente em cima da pasta, passaram-se 20 anos e continua fingindo que não houve nada.

    EXAGEROS

    A doutora Dilma diz que o juiz Sérgio Moro colocou "em risco a soberania nacional" ao divulgar telefonemas em que ela estava na outra ponta da linha.

    Falso como depoimento de comissário. A conversa da doutora com Lula não tratou de assunto relacionado com a soberania do país. Também não envolveu qualquer recurso criptográfico. Se Moro tivesse divulgado um trecho de telegrama secreto, esticando-se a corda, o argumento da soberania poderia ter algum valor. Quem grampeou a soberania do Brasil foi o companheiro Obama, mas essa é outra história.

    Já o juiz Moro diz que os grampos divulgados por ele defendiam o interesse público. Algum dia o doutor poderá explicar que interesse público havia na divulgação do telefonema 80829474, de 9 de março.

    Nele Lula e sua filha Lurian combinam que tomarão café da manhã juntos no dia seguinte. Nada mais. Dessa rápida conversa resulta apenas uma curiosidade, a senhora chama Lula de "gato".

    DILMA E TALLEYRAND

    Coxo, Talleyrand caminhava com um aparelho ortopédico. Seduziu tout Paris, encantando a alma de mulheres e o bolso dos homens. (Ele seria o pai do pintor Delacroix.)

    Atribui-se a Talleyrand uma frase que teria sido útil para os comissários que acabaram presos por causa dos pixulecos.

    Um sujeito lhe disse:

    "Dou-lhe vinte mil francos e não conto a ninguém".

    Ele respondeu:

    "Dê-me quarenta mil e conte a quem quiser".

    -

    O NÚMERO MÁGICO É 342 E NÃO 171

    A ideia de que o governo precisa de 171 votos para barrar o impedimento da doutora Dilma é verdadeira, mas incompleta. Ela é repetida com frequência, inclusive aqui.

    O processo de impeachment requer dois terços dos votos da Câmara (342) para ir em frente. O número mágico é esse.

    O governo não precisa de 171 votos a favor de Dilma. Essa condição seria suficiente, mas não é necessária. O que ele precisa é que a maioria favorável ao impedimento não chegue a 342.

    Isso pode ser conseguido com votos contra a iniciativa (na qual o deputado se expõe), pela abstenção e sobretudo pela simples ausência. Assim, se 152 deputados ficarem a favor da doutora (19 abaixo dos 171 do terço), mas 19 outros não aparecerem na hora da votação, o pedido de impeachment vai ao arquivo.

    Foi isso que aconteceu em 1984 com a emenda que restabelecia as eleições diretas. Ela precisava do voto de 320 deputados. Quem decidiu a parada foram as ausências (113). Contra, votaram apenas 65 deputados. Com 298 votos, a emenda morreu. Na hora de a onça beber água o governo pressionava deputados pedindo-lhes que não comparecessem.

    No caso do impedimento de Collor, quando rompeu-se o dique de proteção ao governo eram necessários 336 votos e 441 deputados decidiram afastá-lo.

    elio gaspari

    Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.

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