O doutor Choo Chiau Beng, CEO dos estaleiros Keppel Fels ao tempo em que sua empresa aspergia propinas na Petrobras, era também o embaixador "não residente" de Cingapura no Brasil. Ele entregou suas credenciais a Lula em 2004. Resta saber como tramitou no Itamaraty o pedido de agreement para o presidente de uma empresa com negócios (e que negócios) no Brasil.
Entende-se que um país tenha um chefe de missão "não residente" quando isso envolve uma função cumulativa. O embaixador na França, por exemplo, mora em Paris e acumula a representação junto ao Principado de Mônaco. O doutor Choo morava em Cingapura e lá comandava a Keppel. Nada a ver. Acumulando o título de embaixador com a função de CEO da empresa, ele ajudou a feliz negociação de um financiamento do BNDES a juros camaradas para um braço da Keppel no Rio. Acompanhando o chanceler e ministro da Justiça de Cingapura, visitou o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Falaram até dos salários dos juízes.
No Brasil já houve casos de embaixadores estrangeiros que, depois de desempenhar suas funções, passaram a fazer negócios. Jogo jogado. Embaixador que representa o país, preside uma empresa, administra negócios e acompanha propinas é coisa nunca vista.
Cingapura é um dos países mais severos do mundo no combate à corrupção, mas seu desempenho é exemplar quando se trata de reprimir maracutaias internas. Apesar de ter leis que penalizam roubalheiras praticadas em outros países, até hoje não se sabe de alguém que tenha ido para a cadeia por ter pago pixulecos fora de suas fronteiras.
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Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.