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    Elio Gaspari

    Desnecessário dizer que o texto não refletia o Ipea, diria Samuelson

    19/10/2016 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 10-10-2016, 21h00: Deputados da base do governo Temer e o relator da PEC 241, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), comemoram a aprovação da PEC do Teto de Gastos. O presidente da câmara dep. Rodrigo Maia (DEM-RJ) comanda a sessão. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
    Deputados comemoram a aprovação no primeiro turno da PEC 241

    Prezado professor Ernesto Lozardo, ilustre presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada),

    O senhor me conhece, estudou no meu clássico Introdução à Análise Econômica e viu quando ganhei o prêmio Nobel. Escrevo-lhe para compartilhar um episódio de 1973 que invadiu minha memória quando li a censura pública que o senhor impôs a dois pesquisadores do Ipea que criticaram os efeitos de uma medida proposta pelo governo que o nomeou.

    À época, não dei maior importância ao que me aconteceu. Hoje, vejo o papelão em que me meteram. No segundo semestre de 1973 a editora Agir, que publicava meus livros no Brasil, estava traduzindo a 9ª edição do "Economics". A certa altura, discutindo o fascismo, mencionei o regime militar brasileiro e seu crescimento de 10% ao ano. Lembrei que todos os regimes semelhantes tinham ido à breca.

    O diretor da editora escreveu-me dizendo que não publicaria aquilo. Dias depois, outra carta, desta vez do economista Eugenio Gudin, o grande liberal brasileiro. Passaram algumas semanas e veio a terceira, do economista Roberto Campos. Todos reclamavam do meu texto, da comparação e do tom.

    Pareceu-me uma tempestade em copo dágua, pois a minha política era de permitir que os editores expurgassem trechos que pudessem criar problemas com as traduções, sobretudo nos países comunistas. Resultado: quem leu a edição americana aprendeu que o Brasil ia quebrar. Quem leu a tradução da Agir comprou Samuelson e levou Gudin-Campos.

    Eu achava que as duas cartas poderiam ser reflexões de intelectuais, dirigidas a um professor. Coisa nenhuma, o que eles queriam era alavancar suas posições junto ao governo do general Ernesto Geisel, que tomaria posse meses depois. Queriam me operar, e operaram.

    Digo isso porque toda a correspondência enviada a mim, bem como as minhas respostas a Gudin e Campos, foram parar nas mãos do general Golbery do Couto e Silva, conselheiro de Geisel. A minha decisão foi comemorada pelo dono da editora, o banqueiro Candido Guinle de Paula Machado. Num cartão que enviou a Golbery ele sugeriu: "Se puder, dê um telefonema ao Dr. Gudin, pois ele ficaria satisfeito."

    Encontrei o general Geisel num jantar na casa do compositor Richard Wagner (ele estava com o professor Mario Henrique Simonsen) e perguntei-lhe o que aconteceu. Geisel contou-me que Golbery aceitou a sugestão de Guinle e almoçou a sós com Gudin. Impressionou-me a malquerença do presidente com o patriarca do liberalismo econômico brasileiro. O melhor adjetivo que lhe dá é o de "patife".

    Os autores da nota técnica excomungada têm a minha solidariedade e saiba que não a li. Era desnecessário dizer que o texto não refletia a opinião do Ipea. Essa informação sempre está no cabeçalho desse tipo de trabalho. O senhor disse que "a posição institucional do Ipea é favorável à PEC 241". A "posição institucional" de Gudin, Campos e Paula Machado era favorável ao regime. Direito deles, mas o que a trinca queria era outra coisa. Fiz-me entender?

    Converse com o Pedro Malan. Ele foi um servidor do Ipea respeitado pela ditadura e ministro da Fazenda na democracia. É um homem correto e muito bem educado. Pode ajudá-lo.

    Cordialmente,

    Paul Samuelson

    elio gaspari

    Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.

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