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    Elio Gaspari

    Centenário da revolução de 17 merece mais história e menos propaganda

    11/01/2017 02h00

    Tobias Schwarz/AFP
    Workers unload the head of a statue of the late Soviet leader Vladimir Ilyich Lenin which was buried in a forest in the east of Berlin from the back of a truck upon its arrival at Spandau Citadel museum on September 10, 2015. A quarter-century after the fall of the Berlin Wall, Lenin made a comeback of sorts as authorities unearthed a granite head of the Russian revolutionary to truck it across the German capital. The 3.5 tonne granite piece, long buried and half forgotten in a forest on the edge of the city, will become an eye-catching highlight of a new museum exhibit of key figures that played a role in Germany's turbulent history. AFP PHOTO / TOBIAS SCHWARZ ORG XMIT: BER248
    Cabeça da estátua de Vladimir Lenin, líder da Revolução Russa.

    Em outubro de 1917, os bolcheviques (maioria, em russo) lideraram uma revolução, invadiram o palácio do czar, subiram pelas escadarias e derrubaram séculos de absolutismo, instalando um governo de operários e camponeses.

    Tudo mentira. Os bolcheviques não eram maioria, o czar não morava no palácio de Inverno (ele abdicara em março e estava preso a quilômetros de distância). Em outubro de 1917, não havia mais monarquia e a Rússia era uma república mambembe. Os poucos revoltosos entraram no palácio por janelas laterais, e o prédio não estava guarnecido por tropa capaz de defendê-lo.

    A cena da tomada do palácio, com uma heroica multidão subindo sua escadaria, foi um invenção do cineasta Sergei Eisenstein. Ele teve a ajuda de 5.000 figurantes e a filmagem, em 1928, causou mais danos ao palácio que a sua tomada em 1917. (A grandiosidade de Eisenstein fez com que suas cenografias engolissem a realidade. O massacre da escadaria de Odessa, do "Encouraçado Potemkin", também não aconteceu.) Multidão no palácio só houve no dia seguinte, quando saquearam, e beberam, a adega real.

    O ano do centenário da revolução de 1917 será boa oportunidade para que os acontecimentos daquele ano sejam revisitados, com menos influência da propaganda.

    As revoluções foram duas: a primeira deu-se em fevereiro, em Petrogrado (depois Leningrado, hoje São Petersburgo). Nela misturaram-se as ansiedades de uma guerra na qual 1,5 milhão de soldados já haviam desertado, um inverno brabo que afetou o abastecimento, mais uma onda de greves e protestos. Contra essa revolta, estava Nicolau 2º, um autocrata medíocre metido numa corte de intrigantes. (O monge Rasputin, guru e marqueteiro da família real, havia sido assassinado em dezembro.)

    No dia de hoje, há cem anos, Petrogrado parecia em paz. Estava na Rússia o príncipe herdeiro Carol da Romênia, e a czarina Alexandra aproveitara um jantar em sua homenagem para apresentar à nobreza sua filha de 17 anos, a grã-duquesa Maria.

    Lênin estava em Zurique e admitia que a revolução poderia ficar para a próxima geração. (Outro hóspede da cidade era o escritor James Joyce.) Trótski estava encantando socialistas em Nova York. Stálin estava exilado no círculo Ártico. Ele só pensava na revolução, mas nos próximos meses teria um problema: nasceria o filho de sua namorada adolescente. (Alexandre morreu em 1987. Seu filho, a quem revelara a identidade do avô, comprovou-a com um teste de DNA.)

    Quando Petrogrado estava com as ruas tomadas, a czarina Alexandra acreditava que com alguns dias de frio as pessoas voltariam para casa, e um dos líderes bolcheviques na cidade duvidava do futuro da revolta. Ele achava que a coisa se acalmaria se os trabalhadores recebessem algum pão.

    Pode-se discutir até onde a revolução de Petrogrado foi um movimento operário ou derivou de um motim da soldadesca. Como a efeméride será lembrada até o fim do ano, seria injusto que tudo parecesse ter começado com o golpe de outubro de Lênin e dos comunistas.

    Em março, nasceu a república russa. Podia ter dado certo mas, tendo tudo para dar errado, durou oito meses. Em outubro, nasceu o que parecia ser uma aventura, sem a menor possibilidade de dar certo. Durou 74 anos.

    elio gaspari

    Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.

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