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    Érica Fraga

    Nem muro de Trump ofusca debate sobre educação nos EUA

    01/02/2017 02h00

    Kevin Lamarque/Reuters
    O presidente Donald Trump durante reunião com especialistas em segurança cibernética na Casa Branca, em Washington (EUA)
    O presidente dos EUA, Donald Trump

    O rebuliço causado pelas propostas polêmicas de Donald Trump em áreas como imigração e comércio exterior não ofuscou o pouco que já foi anunciado pelo novo governo americano para a área de educação.

    Trump diz que pretende dobrar a aposta em um modelo chamado escolha escolar, que já existe nos Estados Unidos em pequena escala e envolve disponibilizar recursos para que as famílias elejam a escola dos seus filhos (pagando mensalidades em instituições privadas, por exemplo).

    Não vou entrar no mérito da ideia, que foi muito bem apresentada e analisada há pouco tempo por Fábio Takahashi, jornalista e pesquisador do tema, nesta Folha (goo.gl/1s4U5b).

    Mas acho interessante falar um pouco sobre por que os rumos da educação americana disputam espaço na mídia local –e até internacional– com outras notícias que afetam quase o mundo todo.

    Era de esperar que a maior economia global, com sua notável eficiência e capacidade de inovação, não tivesse dificuldade em educar sua mão de obra.

    Mas há muito tempo os EUA patinam nessa área, pelo menos em comparação com vários outros países desenvolvidos e até emergentes.

    No fim da década de 1990, começaram a surgir alertas de institutos sérios de pesquisa de que a competitividade americana sofreria se o país não conseguisse melhorar a qualidade do ensino.

    Os governos federal e estaduais da época prometeram que mudariam essa situação até a virada do século.

    REALIDADE

    Mas aí veio a primeira edição do Pisa, de 2000, mostrando que a realidade era ainda pior do que se imaginava.

    Os EUA estavam muito longe da dianteira, que naquele ano pertenceu à Finlândia.

    Desde então, sucessivas políticas perseguidas pelo país não deram certo.

    Foram adotados, por exemplo, inúmeros testes nacionais e regionais para medir a aprendizagem. As conclusões recentes de especialistas são que o uso excessivo desse instrumento trouxe muito estresse para os alunos sem a contrapartida de efeitos positivos.

    No Pisa mais recente, divulgado em dezembro, os EUA conseguiram um feito importante: a redução da enorme desigualdade de desempenho entre seus jovens mais pobres e mais ricos. Mas as notas dos americanos de 15 anos como um todo continuaram lá pela metade do ranking, se consideradas apenas as nações avançadas.

    Esses resultados mostram que a política americana de anos recentes de canalizar esforços para melhorar a aprendizagem dos estudantes mais carentes tem surtido efeito, mas revelam também que o país ainda precisa avançar muito para atingir o patamar de várias nações europeias, asiáticas e do vizinho Canadá.

    O Pisa é muito valorizado por especialistas e formuladores de política educacional porque –embora sujeito a críticas– não é destinado a medir quanto conhecimento um adolescente tem, mas o quão bem ele consegue aplicá-lo para interpretar situações da vida real.

    Essa capacidade de resolver problemas é o que se espera dos trabalhadores do século 21, numa economia globalizada, em que manuais ficam desatualizados num piscar de olhos.

    Os EUA se tornaram a principal potência econômica mundial provavelmente porque foram pioneiros na busca pelo aumento da escolaridade.

    Mas garantir o acesso à educação para todos não é mais suficiente. A qualidade do ensino é essencial para manter e ganhar competitividade em um mundo em que outros avançam a um ritmo rápido.

    Por isso, mesmo ocupando os primeiros lugares no Pisa, países como Cingapura, China e Finlândia não param de perseguir reformas para melhorar a aprendizagem.

    Tropeços ou acertos do novo presidente americano na educação ajudarão a determinar em que lugar o país ficará nessa corrida nos próximos anos.

    A boa formação de mão de obra doméstica será ainda mais importante se Trump persistir com sua política anti-imigração, que poderá levar o enorme fluxo de estudantes e profissionais estrangeiros superqualificados para os EUA a minguar.

    érica fraga

    É jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Mãe de três meninos, escreve sobre educação, às quartas.

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