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    Érica Fraga

    Circo é coisa de menina?

    08/02/2017 02h00

    Fredrik Sandberg/Associated Press
    Crianças em escola que combate o estereótipo de gênero em Estocolmo, na Suécia
    Crianças em escola que combate o estereótipo de gênero em Estocolmo, na Suécia

    Há alguns anos, ouvi de uma grande amiga que, quando ela pensava nas dificuldades que seus dois filhos –um casal– enfrentariam ao longo da vida, sentia um aperto no coração tão ou mais forte em relação ao menino do que à garota.

    A filha, sem dúvida, estava mais sujeita a preconceitos de gênero. Mas encarar os estereótipos mais silenciosos associados à masculinidade, a "ter de provar que é machão", também não era fácil, prosseguiu ela.

    Como mulher, e mais acostumada a olhar para o meu próprio umbigo, a colocação me chamou a atenção.

    Desde então, tive três filhos homens –hoje, com idades entre 1 e 7 anos– e entendo perfeitamente o que minha amiga quis dizer.

    Conforme meus meninos crescem, os tais estereótipos invadem minha casa com uma velocidade impressionante:

    - "Mamãe, é verdade que circo é coisa de menina?"

    - "Não vou usar essa bermuda rosa que você comprou de jeito nenhum."

    - "Por que meu irmão ganhou presente de menina [um jogo de panelas]?"

    São algumas das perguntas a que respondi e frases que escutei.

    Estaria mentindo se escrevesse aqui que não esperava por nada disso.

    Mas ver na prática como a força de estereótipos e preconceitos molda o comportamento desde tão tenra idade tem me causado certa perplexidade.

    Por isso, li com grande interesse a reportagem de Phillippe Watanabe nesta Folha sobre estudo recente que mostra como, na passagem dos cinco para os seis anos, as meninas começam a se achar menos inteligentes do que os garotos.

    É mais uma comprovação de que a chamada primeira infância merece toda a nossa atenção. Muito acontece na cabecinha deles nessa fase da vida.

    Entendo que não seja fácil romper com questões culturais tão arraigadas. Dá medo educar os filhos para que cresçam livres de preconceitos e que isso acabe os levando a serem, eles próprios, marginalizados e hostilizados.

    Mas precisamos nos perguntar em que sociedade queremos que eles cresçam e vivam.

    As escolas também deveriam adotar um olhar mais atento para o que as crianças menores repetem, principalmente em momentos mais relaxados, como o recreio.

    A crença das garotas na sua menor habilidade para aprender matemática reduz sua probabilidade de escolher carreiras de exatas. Isso ajuda a explicar por que ouvimos menos nomes de mulheres associados ao brilhantismo em pesquisa acadêmica de ponta nessa área.

    A ideia de que meninos precisam ser machões e que isso implica não fazer uma série de atividades contribui para que eles desprezem, com maior frequência, possíveis vocações artísticas e na área de humanas. Isso ajuda a explicar por que ainda temos tão poucos professores homens nas salas de aula.

    Os estereótipos são também a semente do machismo, da homofobia e da intolerância que continuam vitimando homens e mulheres, das mais variadas idades, com uma frequência chocante.

    érica fraga

    É jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Mãe de três meninos, escreve sobre educação, às quartas.

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