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    Érica Fraga

    Persistência é mais importante do que inteligência

    15/02/2017 02h00

    Miso Lisanin - 27.dez.2015/Xinhua
    (151227) -- ZAGREB, diciembre 27, 2015 (Xinhua) -- El excampeón mundial de ajedrez, Garry Kasparov (i), juega partidas de ajedrez contra 18 personas simultáneamente, en un hotel en Zagreb, capital de Croacia, el 27 de diciembre de 2015. De acuerdo con información de la prensa local, el evento se llevó a cabo con el objetivo de popularizar el ajedrez entre niños y jóvenes. (Xinhua/Miso Lisanin) (da) (ah)
    Garry Kasparov (esq.), um dos maiores enxadristas da história; trabalho duro foi crucial para sucesso

    "Por que a capacidade de trabalhar duro não é considerada um talento natural?"

    A pergunta é feita por Garry Kasparov, um dos maiores jogadores de xadrez de todos os tempos, em sua biografia, publicada há uma década.

    No livro, o enxadrista conta que, quando se tornou o mais jovem campeão mundial do jogo, aos 22 anos, em 1985, passou a ser questionado frequentemente sobre o segredo de seu sucesso. Rapidamente percebeu que suas respostas decepcionavam.

    Isso acontecia, por exemplo, quando ele dizia que sua memória era boa, mas não exatamente fotográfica.

    E o talento inato para o xadrez? Segundo Kasparov, seu pai percebeu muito cedo que ele tinha jeito para o jogo, mas que essa característica só se transformou em uma super-habilidade porque sua mãe o ensinou a estudar e praticar com afinco.

    A capacidade de perseverar descrita pelo enxadrista pode ter menos glamour do que a inteligência, mas tem aparecido com frequência crescente nas pesquisas sobre educação.

    Estudiosos do tema, como a psicóloga americana Angela Duckworth, da Universidade da Pensilvânia, têm afirmado que a determinação é crucial para a aprendizagem.

    Em um de seus muitos experimentos detalhados sobre o assunto, Duckworth e Martin Seligman concluíram que a autodisciplina era um indicador duas vezes mais forte do que o QI (coeficiente de inteligência) para explicar as diferenças entre as notas de alunos dos EUA no fim do ensino fundamental.

    A contundência de descobertas desse tipo fez a preocupação sobre como ajudar crianças e jovens a desenvolver habilidades como a persistência ultrapassar os muros da academia e chegar aos formuladores de políticas educacionais.

    É um debate tanto instigante como complexo.

    A crença na inteligência como principal explicação para o sucesso escolar, profissional e pessoal prevaleceu por décadas. Isso talvez se explique por que medir atributos como a capacidade de identificar padrões e fazer contas é mais fácil do que avaliar a tal habilidade para trabalhar duro descrita por Kasparov.

    Ser dedicado pode significar estudar três horas por dia para um aluno e seis para outro. Quanta perseverança é necessária para melhorar a aprendizagem?

    Experiências como a de alguns países asiáticos mostram que o excesso de disciplina pode acabar sendo prejudicial à saúde, ainda que garanta resultados brilhantes em testes de aprendizagem. Como atingir o equilíbrio?

    A lista das chamadas habilidades socioemocionais ou competências do século 21 mencionadas como importantes é longa. Dedicação, autocontrole, extroversão, capacidade de trabalhar em grupo e de sentir empatia são apenas algumas delas. É viável trabalhar todas na escola? Como?

    Estudiosos reconhecem a necessidade de mais pesquisas para responder a essas perguntas.

    A falta de respostas mais conclusivas não invalida, porém, as tentativas de reformular currículos com base no que já é conhecido. As experiências nessa direção têm servido como insumo para avaliar as iniciativas de maior e menor êxito.

    É, portanto, alentador o fato de que o governo brasileiro pretenda incluir as competências socioemocionais na Base Nacional Comum Curricular, como revelou o jornalista Paulo Saldaña em reportagem sobre o assunto.

    A divulgação do documento é esperada, com atraso, para o próximo mês.

    Embora seja o ponto de partida, a base precisará apresentar diretrizes claras, fundamentadas nas melhores experiências nacionais e internacionais. Só assim conseguirá guiar as redes na formulação de currículos capazes de melhorar o sofrível desempenho dos estudantes brasileiros.

    érica fraga

    É jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Mãe de três meninos, escreve sobre educação, às quartas.

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