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    Érica Fraga

    Meu bebê passou a trazer o celular para me agradar

    09/08/2017 02h00

    Valentyn Ogirenko - 6.jul.17/Reuters
    A man uses his mobile device while pushing a baby carriage in Kiev, Ukraine July 6, 2017. Picture taken July 6, 2017. REUTERS/Valentyn Ogirenko TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: MOS480
    Homem usa celular ao empurrar carrinho com bebê em Kiev, na Ucrânia

    Quem já lidou com crianças na faixa dos dois anos de idade sabe como é uma fase fofa, divertida e maravilhosa do desenvolvimento infantil.

    A cada dia, uma novidade deixa pais e familiares emocionados, felizes e até perplexos.

    Já vivi essas emoções com meus sobrinhos, afilhados, meus filhos de oito e cinco anos, e tenho a sorte de estar passando por isso novamente com o Benjamin, meu bebê (sim, para mim, ainda é bebê!), que completou dois aninhos em julho.

    No entanto, entre as várias descobertas lindas que ele tem feito nos últimos meses, uma, em vez de alegria, provocou em mim enorme consternação.

    Um belo dia, lá pelos idos de junho, o Benja veio todo feliz me entregar meu celular que ele tinha achado em algum canto da casa.

    Dispensava comunicação verbal, embora ele tenha falado: "Celulá, mamãe", ao me estender a mãozinha com o aparelho.

    A carinha dele dizia tudo. O pequeno esperava reconhecimento e afeto em troca do seu grande ato: reunir a mamãe ao celular, seu bem aparentemente mais valioso.

    Não era o primeiro alerta que eu recebia de um filho. Já tinha ouvido reclamações diretas dos meus outros meninos algumas vezes anteriormente: "Mamãe, larga o celular, estou falando contigo"; ou "vem, mamãããããããeee".

    E o próprio Benjamin já havia desferido golpes no aparelho claramente tentando passar a mensagem: "Pode largar isso e me dar atenção?". Talvez a baixa eficácia das tentativas o tenha feito mudar de estratégia.

    A repentina consciência do ponto em que a situação havia chegado me entristeceu e sacudiu.

    O tema já me incomodava. Buscava e vinha tentando —com sucesso ainda pequeno— métodos para evitar o vício de recorrer ao aparelho com frequência.

    Um parêntesis é que não faço uso amplo de redes sociais. Nunca usei o Orkut. Fui uma das últimas, entre amigos próximos e familiares, a ter uma conta no Facebook, me cadastrei no Twitter há alguns meses, e acesso ambos poucas vezes ao dia. Não tenho Instagram e demais redes.

    Mas o WhatsApp —ah, o WhatsApp!— me acertou em cheio. Reconheço os motivos dessa paixão.

    Um deles é que adoro uma conversa.

    O outro é que, ao participar de grupos de mães da escola, me sinto mais próxima do cotidiano dos meus filhos. Quantas vezes, graças a uma amiga querida, vi foto de um deles chegando feliz da vida de um passeio ou brincando numa festinha, enquanto eu trabalhava!

    Continuo achando todas essas possibilidades de comunicação e acesso rápido à informação oferecidas pelas redes sociais um universo fantástico e extremamente útil.

    Mas o fato é que, no meu caso, o uso provavelmente intenso dessas ferramentas estava prejudicando a interação com meus filhos.

    Além de sentir que estava desperdiçando tempo precioso em que poderia estar, de fato, com eles, comecei a me perguntar sobre os impactos que a atenção maternal e paternal distraída pode ter sobre o desenvolvimento deles, sobre sua própria capacidade de se relacionar com as pessoas e de se concentrar.

    Fiz uma rápida "pesquisa" entre algumas dezenas de amigas mães e me deu certo alivio perceber que não estou só. A maior parte delas me contou ter sentimentos ambíguos em relação à sua frequência de acesso a redes sociais.

    Quase todas disseram que o celular se tornou imprescindível —muitas mencionaram a importância das redes sociais como instrumento de trabalho—, mas ressaltaram que seu uso intenso afeta, de forma não saudável, sua relação com os filhos.

    "O tempo passado com ele estava superficial, sem prestar atenção ou estar de corpo e alma", narrou uma delas.

    Outra falou que, quando sua filha a pede para deixar o aparelho, se pega dizendo: "Só mais um pouquinho, já vou, estou terminando". Uma grande amiga afirmou sentir que o celular virou "um pedacinho dela".

    Uma mãe contou que, à noite, em meio ao ritual para dormir, a filha a alerta: "Mamãe, sem olhar o celular, hein!".

    Outras colegas falaram sobre o temor que o uso intenso do aparelho sirva de exemplo ruim para os filhos. Algumas disseram já perceber sinais disso.

    "Quando chego em casa, a felicidade [dele] é dupla: eu e o celular", disse uma amiga.

    Quase todas afirmaram que tentam frear, de alguma forma, seu ímpeto de acesso às redes.

    Carla Dieguez, minha amiga de longa data, passou a carregar um livro dentro da bolsa para ler nos poucos momentos de folga. É uma tentativa de recuperar o antigo hábito, que andava meio abandonado, reduzir o acesso a redes sociais e dar exemplo aos filhos.

    A decisão de fazer isso veio depois de uma conversa em que falou para sua filha Luisa, de seis anos, que gostava muito de ler e ouviu como resposta: "Mas eu nunca vejo você lendo".

    Há famílias do meu grupo que têm buscado estabelecer regras especificas, como celulares e iPads banidos nos horários das refeições.

    Outras amigas colocam o celular em "modo avião" ou "não perturbe" à noite e nos finais de semana.

    Também tenho recorrido a estratégias desse tipo e a algumas medidas radicais de separação corporal. Por exemplo, passei a deixar o celular em casa quando levo meu filho do meio à natação, acompanhada do caçula.

    Só percebi síndrome da abstinência no primeiro dia. A partir da segunda vez, passei a sentir enorme leveza, prestar mais atenção na aula e fazer mais desenhos com o pequenino enquanto esperamos juntos.

    Tenho estendido a prática a outros momentos em que posso fazer isso sem maiores prejuízos às demais esferas da minha vida.

    Também comecei a estabelecer intervalos do dia em que evito ao máximo olhar o celular e checar meu e-mail (outro hábito frequente). Parto da premissa de que, em casos de emergência ou pressa, as pessoas podem me telefonar.

    Faz pouco tempo que comecei e posso estar enganada, mas percebo que a interação exclusiva com meus filhos aumentou e que eles andam menos agitados. Estamos todos dormindo mais cedo. E o Benjamin parou de me trazer o celular.

    érica fraga

    É jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Mãe de três meninos, escreve sobre educação, às quartas.

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