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    Érica Fraga

    Bem-vindos à era da criação coletiva dos filhos

    04/10/2017 02h00

    Fiquei um pouco desconcertada quando vi a cena de uma menina sendo estimulada por uma adulta a tocar um artista, também adulto, nu, em uma exposição de artes.

    O furor causado pelo tema não me permitiu esquecê-lo.

    Comecei a me questionar sobre a origem do meu incômodo quando assisti ao vídeo.

    O inusitado da cena? Reprovação à atitude da responsável pela criança?

    Eu não levaria meus filhos em uma exposição do tipo enquanto são pequenos —meu maior tem oito anos— porque acho que poderia gerar na cabecinha deles uma confusão difícil de ser processada.

    Estou na fase de tentar alertá-los sobre o risco da pedofilia. Tenho falado muito, portanto, sobre corpo, intimidade, limites do toque alheio. Seria difícil introduzir, neste momento, o conceito de nudez na arte.

    Mas será essa a situação daquela família?

    Não faço a menor ideia. Não sei a idade da menina, seu nível de maturidade, que escola frequenta, onde mora, qual a profissão dos seus responsáveis.

    Além disso, a forma como os pais decidem educar suas crianças não deveria ser da conta de ninguém.

    Tirando ações contra violência, não vejo por que alguém interferiria na criação dos filhos dos outros, a menos que seja chamado a opinar.

    A questão é que palpitar sobre a conduta paternal alheia é tipo um hobby. Senti isso na pele antes mesmo de meus filhos nascerem, quando revelei algumas preferências de nome, ao anunciar planos de engravidar.

    Depois, a situação se intensificou.

    "Você já parou de amamentar? Por quê?" "Chupeta não é bom." "Esse menino não está com calor?" "Você não deveria ser tão rígida com isso ou não deveria ser tão flexível com aquilo."

    E por aí vai.

    Não é que eu não goste do intercâmbio de ideias e conselhos sobre educação infantil. Na verdade, adoro. Aprendi e aprendo muito com essa troca.

    Mas o bombardeio involuntário de opiniões sobre nossa vida pode ser muito incômodo.

    E, conforme as crianças vão crescendo, a coisa se agrava porque, não raro, os palpiteiros se dirigem diretamente a elas ou na sua frente, sem cerimônia.

    Já ouvi adultos tecendo comentários sobre os cabelos um pouco longos do meu filho. Ele é extrovertido, mas intervenções desse tipo o deixam acanhado.

    Concluí, então, que a maior causa do meu desconforto ao assistir ao vídeo foi imaginar como aquela menina deve ter se sentido constrangida ao se ver exposta daquele jeito nas redes sociais.

    Por mais que se acredite que o toque da criança no artista nu seja inusitado ou inapropriado, o foco de indignação deveria ser o vazamento de imagens desse tipo, que ferem o direito de proteção da imagem infantil.

    Mas, no mundo do compartilhamento intenso das redes, não temos visto muito espaço para esse tipo de preocupação. Parece que estamos entrando numa era de potencial educação coletiva dos nossos filhos.

    Quem não quiser embarcar nisso e preferir proteger sua prole deve ter atenção redobrada aos riscos múltiplos e crescentes de exposição.

    Hoje, foi a mãe no museu. Amanhã, pode ser você deixando escapar um grito com seu filho no parque.

    érica fraga

    É jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Mãe de três meninos, escreve sobre educação, às quartas.

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