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    Érica Fraga

    Mães que se importam não dão vexame

    13/12/2017 02h00 - Atualizado às 15h52

    Eduardo Knapp - 6.nov.2015/Folhapress
    Sao Paulo, SP, Brasil, 06-11-2015 10h31: Caderno Especial.O Brasil que da certo. Criancas entre 6 e 10 anos, jogam xadrez na quadra do Colegio Caminho do Saber, no Jd Saude(Foto Eduardo Knapp/Folhapress. ESPECIAIS). Cod do Fotografo: 0716
    Crianças jogam xadrez em escola em SP

    Meu filho quis fazer aula extra-curricular de xadrez. Ele adora o jogo, mas, como muitas crianças, ainda não lida bem com derrotas.

    Ao vê-lo desanimado depois de um campeonato escolar, tive uma ideia. Resolvi tentar aprender também. Pensei que seria uma forma de incentivá-lo, interagir com ele e reforçar que ganhar e perder fazem parte da vida.

    Fiz as aulas por Skype, de manhã super cedo, com menos dedicação do que gostaria, mas entendi o básico e fiquei muito feliz com os resultados da experiência.

    Por um lado, curti muito aprender algo novo. Por outro, ele voltou a se animar com o jogo.

    Até que chegou uma dupla notícia: o evento de xadrez com pais e filhos de fim de ano da escola estava marcado, e meu marido, que joga um pouco melhor do que eu, não poderia participar.

    A missão ficou, portanto, comigo. Eu já conhecia as regras da brincadeira. Sabia que alunos jogariam entre eles e seus acompanhantes familiares também. As duplas melhores colocadas seriam premiadas.

    No dia D, me bateu um certo nervosismo.

    Eu —que quis aprender a jogar para ensinar meu pequeno que a vida é pontuada por pequenas e grandes vitórias, mas também por tropeços, e que o mais importante é persistir— fiquei, de repente, com medo de decepcioná-lo.

    Ciente do meu provável desempenho ruim de iniciante, escrevi para o meu professor falando sobre os pontos fracos que eu tinha identificado nas minhas jogadas e perguntando se ele teria alguma dica do que fazer para mitigar meu inevitável "vexame".

    O supercompetente e sempre solícito Tiago Henrique, naquele dia, não me mandou de volta nenhum ensinamento sobre o xadrez, mas me deu uma grande lição de vida:

    "Saudações, minha querida amiga Érica. Estou ótimo, e você?

    Como é que uma pessoa que é mãe de três filhos pequenos, jornalista, com a vida mais corrida do que o Flash tentando salvar a cidade, e ainda acha tempo para aprender xadrez com o intuito de incentivar o filho, poderia dar vexame?

    Em que situação isso poderia acontecer? Me conta porque agora fiquei curioso!".

    Em poucas linhas, Tiago —que, além de ótimo enxadrista, é um excelente pai— falou tudo.

    Dar vexame é ter filhos e não se importar com eles.

    Infelizmente, não faltam histórias tristes que mostram que isso acontece. No meu dia a dia de maternidade, no entanto, passei a notar também os muitos exemplos de pais e mães que, errando e acertando, estão sempre tentando o seu melhor.

    E, para as crianças, isso é o que importa. Receber amor, entendendo que temos nossas limitações, que não vamos chegar a todas, não conseguiremos protegê-los de tudo o que preferiríamos que eles não sofressem, mas que estaremos por perto, para apoiá-los e incentivá-los.

    Pena que a ideia de que ter filhos é algo tão mais complicado do que isso e que pais precisam ser testados e reconhecidos o tempo todo tenha se disseminado tanto. A vida poderia ser mais simples e leve do que isso.

    Adoraria ter ajudado meu filhote a ganhar o troféu que ele tanto almeja.

    Mas ouvi-lo dizer após o jogo "mamãe, muito obrigado por ter me acompanhado mesmo não sabendo jogar tão bem e parabéns pelo seu esforço" foi o melhor prêmio que eu poderia ter recebido neste ano.

    érica fraga

    É jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Mãe de três meninos, escreve sobre educação, às quartas.

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