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    Evgeny Morozov

    O perigo da publicidade baseada em emoções

    09/12/2013 07h30

    Uma das queixas mais antigas sobre a ascensão de intermediários digitais como o Google e o Facebook é a de que, devido ao seu entusiasmo irrestrito quanto à personalização, eles causam uma feia polarização da esfera pública. Os cidadãos são protegidos de visões divergentes, e por isso corremos o risco de viver a vida toda naquilo que o escritor Eli Pariser definiu como "a bolha dos filtros".

    Mas a bolha de Pariser é apenas uma entre as muitas que existem no horizonte.

    Para começar, ela tem origens técnicas muito específicas. Até recentemente, os sensores envolvidos no processo de personalização eram capazes de registrar o que teclamos e como movemos nossos mouses, mas não eram capazes de registrar o que sentimos. Chamá-los de "sensores" na verdade representa algum exagero –eles funcionam mais como detectores rudimentares de pistas. Assim, nossa história de navegação na web é usada para prever o que podemos desejar ver ou onde pretendemos navegar a seguir. Nossas buscas podem ser usadas para priorizar determinados resultados de busca no futuro.

    Mas, longe de nossos olhos, uma grande mudança estrutural aconteceu nos últimos anos. Os sensores responsáveis pela personalização já não são apenas textuais e se tornaram capazes de capturar muitas outras dimensões de nossas atividades. Eles não se limitam a armazenar endereços de web e termos de busca. São capazes, também, de lidar com dados não linguísticos, de indicadores neurofisiológicos (estamos queimando poucas calorias?) a indicadores emocionais (estamos nos sentindo ansiosos ou excitados?).

    Considere apenas dois produtos que recentemente ganharam destaque na mídia de tecnologia: um carro que desacelera quanto sente que você está dirigindo sem prestar atenção, e uma mesa que registra quantas calorias você queima e ajusta sua altura com base nisso. É verdade que o carro com sensor de atenção é apenas um modelo de teste que requer que o motorista use um capacete especial, mas é possível imaginar o número de sensores incorporados à coluna do volante que tornaria menos visível o processo de detecção de atenção. (A Toyota já testou sensores como esses em 2011, enquanto a Ford vem testando monitores de batimento cardíaco incorporados ao assento do motorista.)

    Já a mesa é um produto real (ainda que caro e exclusivo). Ao contrário das mesas convencionais, ela busca criar interação com o usuário ao "mudar as coisas durante o dia, subindo um ou dois centímetros, bem gentilmente". Se combinada a fluxos de dados dos demais sensores de nossas vidas, a mesa pode ser transformada de um tedioso lugar de trabalho em uma máquina de exercícios.

    O presidente-executivo da companhia que fabrica a mesa diz que existem planos até para "importar fluxos de dados externos, para tornar a mesa mais inteligente –por exemplo, dados de apps e monitores de exercícios" Se a mesa estiver informada de que você correu cinco quilômetros antes de trabalhar, isso afetará o perfil de atividades que ela sugerirá a você naquela manhã.

    "Tecnologia inteligente" é um nome um tanto equivocado –o que estamos vendo em ação aqui é "tecnologia plástica". A súbita plasticidade de nosso ambiente físico pode não gerar muita preocupação em termos de política pública, mas existe ampla gama de possibilidades de abuso que a envolveriam. Se nossos aparelhos e engenhocas podem se ajustar tomando por base aquilo que sentimos, que dizer sobre os anúncios que nos são exibidos?

    Há apenas algumas semanas, encontrei por acaso um estudo recentemente publicado, de título tedioso mas apresentando um plano fascinante: "CAVVA: vídeos computacionais afetivos na publicidade em vídeo". Escrito por três cientistas da computação de Cingapura, o estudo propõe um método elegante para inserir anúncios em vídeos com base em uma análise detalhada sobre o impacto emocional deles no usuário.

    Tomando por base uma experiência, os pesquisadores provaram que sua abordagem –que depende de uma análise cena a cena do conteúdo emocional do vídeo em exibição– é mais efetiva do que depender de pistas puramente "textuais" sobre relevância, como as usadas pelo YouTube e serviços semelhantes hoje.

    A limitação desse método é que ele seleciona que anúncios exibir, e quando exibi-los, com base no conteúdo emocional do vídeo, e não no "conteúdo" emocional do usuário. Assim, o próximo passo óbvio será estudar o que os usuários sentem, em tempo real. Isso pode ser feito pela observação de nossas expressões faciais ao assistirmos a um vídeo, ou pela mensuração de nosso pulso ou de nossos movimentos oculares.

    Algumas empresas iniciantes já estão explorando esse lucrativo terreno. Houve uma reportagem recente no "Wall Street Journal" que mencionava a MediaBrix, uma empresa especializada em "direcionamento emocional exclusivo". Como isso funciona? Bem, eles estudam a pessoa quando ela está jogando um videogame, e oferecem um produto a ela em seu momento de maior vulnerabilidade emocional. É claro que não é assim que a companhia descreve suas atividades. Ela afirma, em lugar disso, que ajuda "na comunicação com os jogadores de videogames em momentos naturais e críticos de seu uso dos jogos, nos quais estão mais receptivos a mensagens de marca".

    Com a proliferação de sensores nos espaços construídos –quer sob o lema da "Internet das Coisas", quer sob o das "Cidades Inteligentes"–, o escopo para esse tipo de técnica de "direcionamento emocional exclusivo" poderia se expandir consideravelmente.

    Uma década atrás, esses métodos pareceriam pouco realistas, mas não hoje –não no momento em que o Google já conta com um óculos inteligente e a Apple adotou o M7, um poderoso chip sensor de movimentos, em seu mais recente iPhone. Como declarou o vice-presidente de marketing da Apple ao introduzi-lo, "o aparelho aproveita todos esses maravilhosos sensores e os mede continuamente", para que, mesmo quando em standby, o iPhone possa informar se o usuário está "estacionário, andando, correndo ou dirigindo".

    Google e Apple podem ter chegado ao jogo com algum atraso: no ano passado a Microsoft obteve patente para "direcionamento de anúncios com base em emoções" (em um pedido que menciona seu sistema de controle de videogames Kinect). A Samsung conta com diversas patentes parecidas para tecnologias que variam de facilitar o compartilhamento de emoções em redes sociais à produção de fragrâncias em celulares.

    Se o futuro da publicidade está no processamento de traços não linguísticos, então quem controlar a infraestrutura sensória para análise e monetização desses traços –o "aparato de compartilhamento de emoções", como a Samsung define o processo em uma das suas patentes– será o sucessor dos atuais magnatas da publicidade on-line. Pois apesar de todas as alegações quanto à inevitável virtualização, o hardware –conectado a telas, câmeras e rastreadores de dados– só ganhará importância, simplesmente porque permitirá a exploração em tempo real de dados emocionais dinâmicos muito mais adequados à publicidade do que as pistas textuais que os gigantes da Internet vêm recolhendo sobre nossa navegação, buscas e atividades sociais.

    Seria desnecessário dizer que nossas autoridades regulatórias –hoje ocupadas com os problemas de privacidade criados pela coleta e armazenagem de informações textuais– estão despreparadas para os desafios de sistemas de dados não linguísticos e de base emocional. Técnicas como o "direcionamento emocional exclusivo" apresentam dilemas que vão bem além das preocupações com a privacidade; em certo sentido, elas por fim substanciam os medos recorrentes sobre "persuasão secreta" que afligem a publicidade há décadas.

    Esses medos não pareciam muito sérios quanto todo mundo via os mesmos anúncios ao mesmo tempo. Não pareciam sérios quando o Google e o Facebook entraram na parada., porque os anúncios eram previsíveis e podíamos bloqueá-los. Mas a forma de publicidade altamente personalizada e de base emocional que se tornaria possível em um mundo no qualquer superfície de toque possa adivinhar como nos sentimos, e nos exibir um anúncio relacionado a esses sentimentos, deveria nos levar a reconsiderar.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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