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    Fábio Seixas

    Férias no paraíso

    02/08/2012 03h11

    Aconteceu no verão inglês de 99. O ponto de encontro, porque eles não tinham credenciais, foi ao lado de um container, perto de uma tenda, para além das grades do paddock de Silverstone. O kartista chegou, acompanhado pelo pai, e logo impressionou por três motivos.

    O primeiro, por ser negro, raridade naquele mundo historicamente aristocrata --e pauta daquela reportagem.

    O segundo, por já ser um protótipo de profissional. Chamei-o na ocasião de "piloto de proveta", e era um retrato fiel da situação. Estava sendo criado desde sempre para a F-1. Já tinha os discursos, manha e trejeitos dos titulares da equipe, Coulthard e Hakkinen --o que chegava a ser perturbador, diga-se.

    Mas o que mais marcou foi a autoconfiança do garoto, a fé em si mesmo. Questionei-o se o fato de ser negro, numa era marcado pelo politicamente correto, poderia ter ajudado na decisão da equipe em recrutá-lo. Do alto dos seus 14 anos, Hamilton respondeu: "Não, não acho que tenha sido essa a razão. Sempre fui bom". O título da entrevista dele na Folha foi "'Eu sempre fui bom', diz teen inglês".

    Sete anos e meio depois, o teen já não era mais teen e o plano dava certo. Hamilton estreava na F-1. Ele e toda aquela autoconfiança.

    E os recordes começaram a aparecer. Nunca um estreante havia acumulado tantas poles e vitórias. Nunca um garoto havia causado tanta sensação. Nunca, para ninguém, tudo tinha vindo tão rápido.

    Para Ecclestone, claro, foi ótimo. Ele viu ali a chance de chacoalhar a F-1 após anos monótonos de domínio de Schumacher. Hamilton poderia ser o "Beckham da F-1". Ganhou espaço, foi elevado à condição de "next big thing".

    Entrou na luta pelo título. Era o favorito. Até que errou no GP da China, escapou da pista e... Bem, o Mundial foi pelos ares. E ele nunca mais foi --ou pareceu-- o mesmo.

    Sim, no ano seguinte Hamilton foi campeão. Com todos os méritos.

    Mas a F-1 descobriu que, talentosíssimo, o inglês tem uma ponto fraco: quando algo abala sua autoconfiança, ele entra em parafuso.

    O episódio da China foi apenas o primeiro. Houve outros depois, por motivos do esporte ou não --desentendimentos com o pai-empresário, idas e vindas com a namorada-celebridade, etc...

    Mas há um lado bom de ser tão suscetível. Quando a maré está a favor. Como agora.

    Hamilton tem tudo para se beneficiar das férias da F-1: a imagem que deixou foi a de um final de semana dominante como o da Hungria. Cheio de confiança, e com a Red Bull claudicante, o inglês pode se tornar o grande concorrente de Alonso na fase final do Mundial. Se o carro ajudar, claro.

    Porque, bom, ele sempre foi.

    fábio seixas

    Escreveu até junho de 2016

    É jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra.

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