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    Fábio Seixas

    Uma verdade inconveniente

    04/10/2013 03h00

    "A quebra da barra de direção foi causa ou consequência da batida?"

    Quando alguém como Adrian Newey se dispõe a falar do acidente que matou Ayrton Senna, convém parar e escutar.

    O inglês, desde 2006 na Red Bull, foi o projetista da Williams entre 90 e 97. Da sua cabeça e dos computadores da equipe saiu o FW16, modelo da escuderia em 94. Cada parafuso daquele carro tinha sua chancela, era de sua responsabilidade.

    Inglês de personalidade reservada, ainda mais após os 13 anos de inquérito sobre aquele domingo de Imola, ele aceitou falar sobre o episódio em entrevista à BBC. Um depoimento histórico. E, aparentemente, sincero. Porque Newey não tem mais motivos para esconder nada.

    Em 2007, ele e Patrick Head, ex-diretor técnico da Williams, foram condenados por homicídio pela Justiça italiana. A investigação concluiu que uma modificação mal feita na barra de direção causou a quebra na Tamburello. Mas como o crime já havia prescrito, na prática não deu em nada.

    Ou seja, não teria nada a perder admitindo agora que, sim, foi isso mesmo. Mas ele não o faz. Porque diz que, honestamente, não sabe.

    E completa: "Talvez nunca saibamos o que aconteceu".

    Nestes quase 20 anos já li todo o tipo de hipótese sobre aquele 1º de maio. Das mais surreais teorias da conspiração, que não valem ser citadas aqui, a estudos técnicos muito bem embasados.

    Erro de pilotagem, temperatura e pressão baixas nos pneus no momento da relargada, ondulação na pista, a tal barra de direção, o fim da eletrônica naquela temporada, a pressão exercida por Schumacher, irritação com as supostas trapaças da Benetton...
    Tudo isso e muito mais já foi colocado no caldeirão das possibilidades.

    A National Geographic chegou a fazer um documentário sobre o caso, dissecando todo o evento, mas sem chegar a conclusões claras sobre o que levou a Williams ao muro --está online, você pode assistir em www.bit.ly/natsenna.

    Nada disso supera o veredicto do engenheiro inglês: o mistério pode durar para sempre. Convivam com isso.

    *

    Newey falou ainda sobre ele mesmo: sua consciência, seus fantasmas, seus fardos. "O que aconteceu naquele dia ainda me assombra."

    Não pude deixar de estabelecer a relação: é uma maldição que guarda semelhanças com as declarações de Ben Johnson, semana passada.

    No aniversário de 25 anos do maior escândalo de doping do atletismo, o canadense visitou o estádio olímpico de Seul e reclamou do peso que ainda carrega. Disse que estupradores e assassinos muitas vezes saem da cadeia antes disso.

    Com uma diferença fundamental entre os dois casos: Newey pode não ter feito nada de errado.

    fseixasf1@gmail.com

    fábio seixas

    Escreveu até junho de 2016

    É jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra.

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