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    Fábio Seixas

    Vida loka

    21/03/2014 03h00

    Está na rede, é fácil de achar. Uma foto que me jogou ao passado.

    Um sofá cafona, florido, numa sala do circuito de Sebring, na Flórida. Na mesinha de centro, garrafas de cerveja e cumbucas com pipocas e nachos. Três sujeitos de olhos vidrados na TV. O personagem da ponta, totalmente careca.

    Um pai coruja. Que deu entrevistas atrás de entrevistas assim que a bandeira quadriculada caiu em Melbourne, do outro lado do mundo.

    "Quando ele começou no kart, pensar na F-1 era como um sonho maluco", disse.
    Deu certo. Talvez a única maluquice certeira da vida de Jan Magnussen.

    Dezenove anos após estrear na F-1 pela McLaren, em Aida, ele assistiu à estreia do filho mais velho pela mesma equipe, em Melbourne.

    E exorcizou, imagino, alguns fantasmas do passado.

    A temporada que começou no domingo é a 64ª da F-1. O GP de Melbourne foi o 878º valendo para o Mundial. Ao longo desse período, 678 pilotos passaram pelo campeonato. A maioria, 354, deixou a categoria sem marcar nenhum pontinho.

    Pois Kevin, 21, tornou-se no domingo o segundo melhor estreante de toda essa história.
    Marca que já seria memorável. Mas que ganha contornos de romance diante da trajetória da família.

    Jan chegou à F-1 com status de futura estrela, de inevitável campeão mundial. Em 94, bateu o recorde de vitórias de Senna na F-3. Em 95, teve a chance de substituir Hakkinen, doente, em Aida: largou em 12º, terminou em 10º. Em 97, finalmente ganhou uma vaga de titular, na ascendente Stewart. Era sua hora.

    Mas não foi.

    "Em termos de talento puro, foi o melhor que já vi", disse Paul Stewart, filho de Jackie, numa antiga edição da revista "Motorsport".

    O problema era fora das pistas. Jan fumava, bebia, não gostava de compromissos comerciais, falava o que vinha à cabeça. Certa vez, foi à República Tcheca para um evento de lançamento do Ford Ka –a montadora patrocinava a Stewart. Questionado sobre o modelo, lançou: "É um dos piores carros que já dirigi".

    Mais: a soberba, por se saber tão talentoso, impedia que ele tentasse entender o carro, que conversasse com os engenheiros, que procurasse soluções.

    Ele terminou 97 sem pontuar. Em 98, o sexto lugar no Canadá evitou que ele pertencesse ao grupo majoritário dos seus colegas. Na prova seguinte, aos 24 anos, já era um desempregado: sem paciência, a equipe o trocou por Verstappen.

    Um filme que deve ter passado na cabeça do agora quarentão sentado naquele sofá florido.

    Que me desculpem aqueles que hoje queriam ler sobre motores ou sistemas de recuperação de energia. A grande história da abertura do Mundial foi humana.

    fábio seixas

    Escreveu até junho de 2016

    É jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra.

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