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    Fábio Seixas - Fábio Seixas de Barros Silva

    Fábio Seixas: Sobre leite fresco e F-1

    DE SÃO PAULO

    20/06/2014 02h00

    Não recordo os nomes, a memória não puxa tão longe, mas eram dois os gêmeos Eberdorfer.

    Moravam num sobrado em Spielberg. Uma casa branca com três janelas no térreo, outras três no andar de cima, duas destas decoradas com floreiras.

    Não, não é memória. É a foto no cartão de visitas que ainda guardo e que indica o endereço: Oberer Dorfgrund, 7.

    O que lembrarei para sempre é da doce inocência daquele local, um vale verde encravado no meio da Áustria. A ponto de a família deixar na porta de casa, todas as manhãs, uma cesta cheia de ovos e um pote de vidro. À noitinha, a cesta estava vazia e o pote, cheio de notas e moedas.

    Uma vending machine sem a machine. Ninguém jamais levaria os ovos ou furtaria aquele dinheiro, essas eram coisas impensáveis.

    Lembro também da placa ao lado, que nos atraiu à casa: Frisch Milk. Leite fresco.

    Ficávamos hospedados, jornalistas brasileiros cobrindo a F-1, num hotel fuleiro ali ao lado, que apelidamos carinhosamente "Spelunkhof". Até que um dia alguém inventou de checar aquele negócio de Frisch Milk. Era simples: você levava uma caneca, colocava uma moeda e, pronto, ganhava leite fresco. À frente do estábulo havia uma grande mesa com dois grandes bancos.

    Pronto, aquele se tornou nosso ponto de encontro para os papos pós-autódromo.

    A família Eberdorfer, claro, ficou curiosa com aquele repentino movimento ao lado da casa. Daí para nos tornarmos amigos foi um pulo. No ano seguinte, ninguém mais ficou no Spelunkhof. Todos nos mudamos para quartos alugados pela gentil família austríaca.

    Os dois gêmeos eram crianças, tinham seus 6 ou 7 anos quando começamos a ficar por lá. E os vimos crescerem, temporada após temporada.

    Eram fanáticos por esqui e tinham como sonho chegarem à seleção austríaca do esporte.

    Perdemos contato depois de 2003, quando a F-1 desistiu de correr na Áustria. Capitaneada por Ecclestone, a expansão da categoria levou-a a lugares como Índia, Coreia do Sul, Bahrein, China, Cingapura, Abu Dhabi...

    Lembrei deles no início da semana. Porque, amantes do esqui, devem ter sorrido com as boas novas sobre Schumacher. E porque devem estar vibrando com a volta da F-1 ao seu quintal —o acesso ao circuito fica na mesma estrada.

    Não são só eles.

    Schumacher dificilmente voltará a ser o mesmo, mas a esperança continua.

    Sobre Zeltweg, é bom ver o circuito de volta ao calendário. Paixão e tradição são ativos importantes para qualquer esporte.

    Encoberta pela Copa, a F-1 vive uma semana feliz.

    *

    (Fui pesquisar no Google e encontrei os gêmeos: Bernhard e Michael. São adolescentes e, sim, ainda moram em Spielberg)

    fábio seixas

    Escreveu até junho de 2016

    É jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra.

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