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    Fábio Seixas - Fábio Seixas de Barros Silva

    Carta a um pai

    24/07/2015 02h00

    Monsieur Philippe,

    Anos atrás, eu consideraria improvável que este texto chegasse ao senhor. O mundo era maior, as distâncias, muitas vezes intransponíveis. "Cartas" assim eram apenas exercícios de ficção ou vaidade –ou as duas coisas combinadas.

    Hoje, as fronteiras inexistem. A informação circula com uma velocidade impressionante. Ninguém mais é inencontrável. Tomara que, de compartilhamento em compartilhamento, este texto aterrisse em Nice.

    Então aqui estou eu, diante do computador, primeiramente para te dar um abraço.

    Dizem, aqui no Brasil, que nenhum pai deveria passar pela dor de enterrar um filho. Para mim, era apenas mais uma frase de impacto até o dia em que a Julia nasceu. Minhas perspectivas mudaram completamente naquele momento.

    Talvez o senhor tenha sentido algo parecido com o xará dela, o Jules.

    Pois na terça o senhor enterrou um filho.

    Que dor...

    Jules foi um guerreiro. E isso se explica pela postura de todos vocês em volta dele. Todos vocês, todos, foram guerreiros.

    Em nenhum momento o senhor deixou os fãs de Jules sem notícias. Apesar de ter todo o peso do mundo nas costas, o senhor foi sempre preciso sobre a situação de saúde do seu filho.

    Transportá-lo do Japão para Nice foi outra atitude bela. Suas chances eram mínimas desde o choque contra aquele guindaste naquela Suzuka encharcada. Mas vocês o quiseram por perto, vocês quiseram estar por perto, vocês fizeram questão de estar juntos.

    Que lição, monsieur Philippe.

    Sei que nada os consolará. Mas deve ser gratificante saber que Jules encantou quem o conheceu ao longo dos seus 25 anos. No ano que vem, provavelmente ele estaria sentado num carro da Ferrari, merecido prêmio pela carreira que construiu.

    Uma pena não ter acontecido. Eu gostaria de ver do que ele seria capaz. Talento, inegavelmente, ele tinha. Basta lembrar do que fez no Desafio das Estrelas de kart, em Santa Catarina, três anos atrás, correndo contra tantos pilotos extraordinários. Talento puro.

    Além disso, era querido em Maranello, visto desde sempre como um potencial piloto ferrarista. Acho que daria jogo.

    Mas não quero encerrar falando sobre o que poderia ter sido. Quero lembrar do que foi.

    Antes de tudo, Jules foi um sorriso. É esta a imagem que fica. É assim que, daqui a alguns anos, a F-1 lembrará dele. Aquele sorriso enorme, escancarado, puro, feliz. Aquele sorriso que, descobrimos agora, certamente tinha muito a ver com a família em que ele foi criado.

    Parabéns pela postura. Parabéns pela coragem. Parabéns por Jules.

    Um carinhoso abraço,

    Fábio

    fábio seixas

    Escreveu até junho de 2016

    É jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra.

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