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    Fábio Seixas - Fábio Seixas de Barros Silva

    Sentir o carro com o pé

    07/08/2015 02h00

    Coube a um ex-piloto de F-1, com o referendo de um campeão em fim de carreira, o mais preciso diagnóstico dos últimos tempos sobre um dos males da categoria: o nivelamento dos pilotos. Por baixo.

    Líder da Indy, prestes a fazer 40, mais maduro e experiente, Montoya acredita que o problema está no excesso de sensores em torno dos carros.

    O raciocínio é direto, reto e não exige muito conhecimento técnico: quanto mais sensores eletrônicos, menor é a necessidade de sensibilidade humana.

    Hoje, quando um carro retorna aos boxes, o piloto tem pouco para falar. O grosso das informações, terabytes e mais terabytes, já chegou aos computadores dos engenheiros.

    A dinâmica de trabalho mudou. Ao sair do cockpit, o piloto não fica mais queimando a mufa com engenheiros e mecânicos, em busca de soluções. Troca um "all right" e minutos depois já está no paddock, concedendo entrevistas ou participando de alguma pirotecnia promovida por patrocinadores.

    Vale reproduzir a declaração do colombiano.

    "Se você tirar apenas os sensores de temperatura dos pneus, as corridas já melhorariam 10%, tenho certeza. O piloto de hoje em dia tornou-se um preguiçoso. Não precisa de sensibilidade. Ele checa a temperatura do pneu e, se está alta, reduz o ritmo. Checa a temperatura dos freios e, se está alta, reduz o ritmo. Se você tirar esses sensores, os verdadeiros talentos começaram a aparecer".

    Nesta semana, Button assinou embaixo. Disse que as coisas eram diferentes quando ele e Montoya entraram na F-1, na virada do século.

    "Tínhamos que aprender sobre o comportamento dos pneus, sentir o carro com os nossos pés, entender as coisas por conta própria. Você podia fazer um trabalho melhor que outro piloto e mostrar que era diferente."

    É extremamente difícil, já há alguns anos, apontar quem é "diferente" apenas com base nos resultados na F-1.

    O quanto é talento e o quanto é software? É preciso olhar para o passado, pesquisar o pedigree, acompanhar o desempenho nas categorias de base.

    Kvyat é um exemplo. Em 2013, estreante na GP3, o russo chamou a atenção de quem acompanhava o campeonato. Em duas ou três corridas já era possível perceber que ele tinha algo especial, aquela fagulha de talento, o tal "world champion material" que Emerson gosta de citar. Não por acaso, foi puxado pela Toro Rosso e estreou na F-1 no ano seguinte.

    Caiu na vala comum. Levou 29 provas para conseguir algo diferente, o segundo lugar no GP da Hungria. Foi nivelado com gente de muito menos talento.

    Chips de silício não podem substituir a sensibilidade humana.

    Em tempo, sejamos justos: é um erro que nossa geração está cometendo o tempo todo, em todas as áreas, não apenas na F-1.

    ("Transcendence, a Revolução", com Johnny Depp, foi um fracasso de bilheteria no ano passado, mas é um filme que ajuda nessa reflexão. Estamos robotizados demais...)

    fábio seixas

    Escreveu até junho de 2016

    É jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra.

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