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    Fábio Seixas - Fábio Seixas de Barros Silva

    Pilotos e acrobatas

    29/01/2016 02h00

    Vivíamos os tempos do videocassete, e uma série de filmes era disputada a tapa nas locadoras espalhadas por todos os bairros.

    As fitas de "Havoc" eram compilações de acidentes no esporte a motor. Cenas impressionantes de carros capotando, espatifando, arrebentando, desintegrando. Em alguns casos, os pilotos sobreviviam. Em outros...

    Recorri ao Google. Até onde descobri, foram sete filmes. A capa de um deles anunciava "mais de 170 acidentes, estrelando os mestres do desastre".

    Repito: eram um sucesso. A garotada e os maníacos por carros deliravam. Via de regra era preciso entrar numa lista de espera para conseguir levar uma daquelas fitas para casa.

    Não sou psicólogo, longe disso, mas é inegável que há algo de fascinante em assistir a acidentes alheios.

    Sou é jornalista. E já vivi algumas vezes o dilema de usar o adjetivo "espetacular" para qualificar um desastre.

    É correto usar essa palavra junto a algo essencialmente ruim? Salvo alguma escorregada, acho que consegui evitar sempre. Mas a tentação, gigantesca, sempre houve.

    A razão do preâmbulo está nas declarações de Ecclestone sobre a proposta de cockpits fechados na F-1 a partir de 2017.

    "Pessoas amam o perigo. Ninguém iria a um circo em que o acrobata estivesse a algumas polegadas do chão", disse o inglês a um jornal austríaco.

    A ideia da FIA e da GPDA é implantar uma espécie de halo sobre os cockpits para proteger a cabeça dos pilotos. As imagens da proposta estão em todos os sites especializados.

    Seria uma solução intermediária. Não é um vidro como o de caças supersônicos –proposta que chegou a ser estudada–, mas também não é a exposição dos dias atuais.

    Para Ecclestone, um exagero. Ele já considera sua categoria suficientemente segura.

    "Se você pudesse escolher um veículo para estar num acidente, provavelmente escolheria um F-1", completou, com sua lógica sempre um tanto chocante.

    É questão delicada, mas concordo com o inglês.

    O halo descaracterizaria os carros. Seriam mais um elemento estranho em uma F-1 tão carente de identidade. Carros de fórmula são definidos por algumas premissas, e uma delas é justamente o cockpit aberto.

    Mais: são raríssimos os casos em que a cabeça dos pilotos é atingida por algo. É muito barulho por nada.

    É verdade que não existe o "suficientemente seguro" quando é possível melhorar ainda mais. Mas também é que uma dose de risco sempre existiu e sempre existirá no esporte a motor. E isso faz parte do pacote que há décadas seduz os torcedores.

    O desafio é controlar o risco. E neste aspecto, a proteção à cabeça dos pilotos, parece-me bem controlado.

    Não conheço as estatísticas, mas acredito que morreram mais acrobatas do que pilotos de F-1 nos últimos 20 anos.

    Em tempo: a tragédia de Bianchi, dada a força daquele impacto contra o trator, não seria evitada pelo tal aparato.

    A F-1 certamente tem problemas muito mais importantes para tentar resolver.

    fábio seixas

    Escreveu até junho de 2016

    É jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra.

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