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    Fábio Seixas - Fábio Seixas de Barros Silva

    Questão de status

    01/04/2016 02h00

    Fiz um teste. Folheei o "Grand Prix Data Book", velha enciclopédia de F-1 que mantenho na estante, e o abri uma página qualquer.

    Deu o GP da Inglaterra de 1971. Grid com 24 carros. Pole de Regazzoni, melhor volta e vitória de Stewart. Peterson e Emerson completaram o pódio.

    Bons tempos, muitos hão de pensar. "Aquela época que era boa." "Aquilo que era F-1."

    Mas minha curiosidade não estava no resultado. O objeto da pesquisa era outro.

    Daqueles 24 carros, 16 usavam motor Cosworth. Os demais se dividiam entre Matra, Alfa Romeo, Ferrari, BRM e Pratt & Whitney.

    Havia cinco chassis March, três Surtees, três Lotus, três McLaren. E duplas de Ferrari, BRM, Matra, Ferrari e Brabham.

    Alguém ousa dizer que as corridas eram ruins?

    Fast forward.

    GP da Austrália de 2016. A Haas conquista um heroico sexto lugar na sua estreia na F-1. E torna-se alvo de pesadas críticas nos bastidores.

    A maior patente a falar publicamente foi Symonds, o experiente diretor técnico da Williams.

    "O status 'construtor de F-1' vem se desgastando gradualmente", disse o inglês.

    "Sei que alguns gostariam de vê-lo completamente destruído. O que Haas fez é bom para ele, mas não sei se é isso que a F-1 deveria estar buscando."

    E o que Haas fez? Usou as regras. O apêndice 6 do Regulamento Esportivo da F-1 indica que, para ser considerada "construtora", uma equipe precisa fabricar monocoque, célula de sobrevivência, santantônio, estrutura anti-impacto frontal, asas, assoalho e difusor.

    O resto, pode comprar. A Ferrari quis vender. Qual é exatamente o problema nisso?

    A Ferrari continuará sendo a Ferrari. A Haas continuará sendo a Haas. E a F-1 ganha graça, com mais uma equipe brigando pela zona de pontos.

    Era assim lá em 1971. Para ser mais claro, era até mais escancarado. Fabricantes vendiam carros inteiros para marcas –e milionários malucos– que decidiam se aventurar na F-1. Os grids ficavam cheios. As corridas, mais movimentadas. Novos nomes surgiam. E as mais fortes sempre prevaleceram.

    As declarações de Symonds, que ecoam opiniões de boa parte do paddock, são resquícios da empáfia e da arrogância que prosperaram na F-1 a partir dos anos 90.

    Empáfia e arrogância que fizeram a F-1 chegar onde chegou hoje: sofrendo para recuperar a popularidade e inventando fórmulas mirabolantes a todo momento para retomar alguma competitividade.

    A Haas é uma bem-vinda novidade. É um sopro de ar fresco. É a prova de que é possível fazer algo novo, diferente, sem o cofre de uma montadora multinacional por trás.

    (E talvez não seja coincidência tratar-se de uma iniciativa americana. Uma marca europeia provavelmente se enquadraria no esquema, não ousaria desafiar o establishment.)

    Symonds e os que pensam como ele podem ficar com o status que quiserem.

    Eu prefiro sentar no sofá de casa e assistir a uma F-1 de grid cheio.

    fábio seixas

    Escreveu até junho de 2016

    É jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra.

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