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    Fabrício Corsaletti

    Tinindo trincando

    06/01/2013 03h00

    Que minha editora desta revista "sãopaulo" e o leitor paulistano me perdoem, mas vou escrever sobre a Bahia.

    Até dezembro passado, eu não conhecia Salvador. Por sorte, fui chamado pra dar uma oficina de texto numa biblioteca pública da cidade.

    Ilustração Guazzelli

    Cheguei no dia 9, um domingo. No carro, Milena -a pessoa que me convidou pra esse trabalho e que foi me pegar no aeroporto- disse que no fim daquela tarde haveria um show da Baby do Brasil, ex-Baby Consuelo, na Concha Acústica, do teatro Castro Alves. Talvez rolasse uma participação de Caetano Veloso. Ela tinha um ingresso sobrando. Interessava?

    Três horas depois, estávamos em pé, diante do palco, esperando o show começar. Fazia calor, mas ventava, e alguém me explicou que sempre tem brisa em Salvador. Na fila da cerveja, encontrei um amigo que não via desde a faculdade. Topar com ele me pareceu um bom sinal. Atrás de mim estava a cantora Karina Buhr com sombra azul nos olhos, e esse poderia ser outro sinal positivo.

    Então Pedro Baby, filho de Baby com Pepeu Gomes e o responsável por convencer a mãe a voltar a cantar seus sucessos da fase pré-gospel, fez um riff de guitarra, a banda o seguiu e a musa hippie dos Novos Baianos entrou em cena -e partiu o tempo em dois. Aos 60 anos, Baby do Brasil é (nunca antes usei esta expressão batida, mas gloriosa, e prometo a mim mesmo nunca mais usá-la) uma força da natureza.

    De saia de bailarina e cabelo roxos, botas, legging e colã de paetê pretos e braceletes prateados nos punhos, cantando as clássicas "A Menina Dança" e "Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira", sua voz era um sopro de doçura cósmica e potência telúrica se propagando no ar da capital baiana. Havia algo de libertador e de sublime nela -que quem escutava fazia o possível pra não deixar passar.

    Janis Joplin do samba, Amy Winehouse da alegria, paquita do Inferno, anjo furta-cor de um Deus que é pura celebração mastroiânnica, Baby não coloca barreiras entre seu desejo de cantar e seu canto, entre seu canto e o público, entre o público e seu entusiasmo radical. Está inteira ali, na sua frente. E o que ela te dá é mil vezes maior do que você é capaz de receber.

    Eu já estava pra lá de xarope de felicidade quando, com Caetano Veloso, depois de uma versão "ungida" e chatinha de "Menino do Rio", ela entoou os primeiros versos de "Farol da Barra", olhando pra Galvão, autor da letra, sentado perto de onde eu estava: "Quando o sol se põe/ Vem o farol/ Iluminar as águas da Bahia".

    Pra mim, foi como morrer de amor em alto-mar. E o início de uma semana que guardarei com cuidado no meu coração.

    fabrício corsaletti

    Nascido em Santo Anastácio (SP), em 1978, é autor de 'Esquimó' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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