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    Fabrício Corsaletti

    Excursão

    14/06/2015 02h00

    Eu já disse em algum lugar que o Kintarô, na Liberdade, é o melhor boteco do mundo. Logo, é o melhor boteco de São Paulo. Mas o melhor boteco do Brasil fica no Rio de Janeiro e se chama Adega Pérola.

    Estou organizando uma excursão pra lá. Ainda há vagas. Os(as) interessados(as) por favor me escrevam.

    O plano é alugar uma van pra dez pessoas, sair daqui às três da madrugada e chegar ao Rio às nove, dez da manhã. Também pretendemos (alguns amigos já confirmaram presença e a prima carioca da minha namorada gostou tanto da ideia que, em vez de nos encontrar por lá, vai vir do Rio pra São Paulo só pra cumprir todo o ritual) alugar uma quitinete num prédio vizinho ao bar, pra quem quiser tirar um cochilo, usar o banheiro, tomar uma ducha, praticar o amor livre e/ou proibido —antes, durante ou depois da esbórnia.

    Às 11h faremos, os mais atletas, uma corrida pelo calçadão de Copacabana (o Adega Pérola fica a cinco quadras do mar). Eliminadas as impurezas no suor da maratona, de banho tomado, com roupas limpas e chinelos confortáveis, ao meio-dia entraremos nesse templo do chope gelado e dos frutos do mar fresquíssimos com a fome e a sede dos arqueiros de Genghis Khan após muitos dias a cavalo pelas desconfortáveis estepes mongóis.

    Como as mesas do Adega são retangulares, pequenas e fixas, com um dos lados menores do retângulo chumbado na parede e três bancos diante de cada um dos lados maiores chumbados no chão, precisaremos de duas. À nossa volta, os garrafões de vinho tinto nas prateleiras que vão até o teto e, ao alcance de um passo, o balcão à portuguesa dos divinos petiscos: camarões, vieiras, sardinhas, morcilhas, berinjelas, polvos... A variedade é impressionante; como se paga por peso, é possível provar boa parte deles.

    — Cem gramas de rollmops (enrolados de sardinha crua), cem de alho (um alho de outro planeta, que não queima nem dá mau hálito), cem de salada pérola do mar, ó pá!

    Dizem que o botequim quase fechou em 2010, mas três clientes, talvez de porre no próprio Adega Pérola, fizeram uma vaquinha e o salvaram da extinção. No entanto, ao contrário do que acontece com 99,9% dos bebuns, no dia seguinte não devem ter sentido nenhuma ressaca moral, pois tinham feito um puta negócio. Pelo menos pra nós, hedonistas insatisfeitos sem muitas opções de bares sem TV, sem hostess nem segurança na entrada, sem grade anti-mendigo na calçada, sem catraca na porta nem comanda (no bolso? na bolsa de alguém? debaixo da mesa? na janela do banheiro? onde foi que enfiei essa porcaria de comanda?) —quando o prazer de quem frequenta bar é justamente perder o comando da vida e esquecer por algumas horas as grandes chatices e as pequenas tragédias que em geral a acompanham e tantas vezes a atrapalham.

    Às dez da noite, depois de muito papo furado, 40 chopes e não sei mais quantas cachaças, pegaremos a inútil van de volta pra São Paulo —radicalmente satisfeitos, merecidamente exaustos e inevitavelmente melancólicos.

    Sugiro um sábado de sol. Porque o domingo vai ser brabo.

    fabrício corsaletti

    Nascido em Santo Anastácio (SP), em 1978, é autor de 'Esquimó' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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