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    Fabrício Corsaletti - Mariana Agunzi

    Sortidos

    12/07/2015 02h00

    Almofada
    Você não acredita na Almofada? A Almofada vê tudo. A Almofada está te olhando. A Almofada tem sempre um dedo apontado pra você. Os dedos da Almofada são como armas. Podem acabar com você a qualquer momento. Eu gostaria de ter uma arma. Eu gostaria de acabar com você. Mas o que eu gostaria mesmo era que você acreditasse na Almofada.

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    Tatuagem
    Estou pensando seriamente em tatuar na barriga, em arco, como a inscrição de um portal: "PREFIRO CHURRASCO".

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    Bares
    Não vendem mais analgésico e têm TV ligada.

    *

    P&B
    (macaqueando a voz de Humphrey Bogart)
    Nosso primeiro verão em Nova York. Cinco da tarde de uma terça-feira de 1941. Tento fechar um poema antes de voltar pra cama onde, de bruços, ela se espreguiça -a mão direita agarrando o parapeito da janela, a esquerda debaixo do travesseiro. O barulho da máquina de escrever se destaca quando o silêncio -trilhos de trem- se completa e a luz filtrada pela persiana diminui. Um golpe de ar mexe as folhas de L'Asphyxie. Levanto e, com a ponta dos pés, tiro os sapatos -a bunda francesa e a marca de biquíni; o cabelo castanho; o pescoço macio. Um quarto suburbano na cidade atemporal. Sou um detetive de filme noir apaixonado por uma escritora de vanguarda. Acendo um cigarro, abro outra garrafa, trago suas costelas pra junto de mim. Mais tarde vamos ao bairro chinês.

    *

    Profissões
    para Fabiano Calixto e Marcelo Montenegro
    Manobrista. Açougueiro. Fruteiro.
    Alfaiate. Engraxate. Bicheiro.
    Gandula. Chapeleiro. Porteiro.
    Vigia. Pedreiro. Faxineiro.
    Gari. Jardineiro. Pasteleiro.
    Dublador. Marceneiro. Coveiro.
    Chapeiro! Chapeiro! Chapeiro!

    *

    Velho
    Almoça e janta sozinho na mesa da sala, de olho na TV; assim que acaba de comer, leva seu prato pra cozinha. Seus gestos são certeiros. Seu espírito é alegre e trágico. Seus fantasmas se dissolveram no ar - são como o brilho da poeira à luz do sol. Eu o vejo pela janela aberta, quando passo cantando pela rua com meus 30 e poucos anos infinitos. Como amo esse esqueleto protelado. Como sofro por ele. E como o temo, como o desprezo, como o admiro.

    fabrício corsaletti

    Nascido em Santo Anastácio (SP), em 1978, é autor de 'Esquimó' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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