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    Fabrício Corsaletti

    Nuances

    19/11/2017 02h00

    Pedro Piccinini

    Durante o café da manhã, o filho de um casal de amigos com quem passamos, minha namorada e eu, o último feriado repete dez vezes a palavra "requeijão" –ele tem três anos e o requeijão acabou. O pai do menino observa: que palavra estranha, requeijão; se fosse "requeijo" já seria muito louca; mas "requeijão" é completamente biruta. Pra começar, quem é que diz "queijão"? Querido, já que cê vai no mercado, traz um queijão e um maço de cheiro verde? Agora acrescente o "re"... Faça o teste com outras palavras. Um novo tipo de mostarda. Um novo tipo de sofá. Um novo tipo de colírio.

    "Gentrificação" também me incomoda. Parece um liquidificador de gente –e é. Aliás, qual a diferença entre gentrificação e revitalização? Quando um bairro está caindo aos pedaços e os hipsters endinheirados se mudam pra lá, seguindo o modelo do Brooklyn, em Nova York, é revitalização? Quando um bairro está caindo aos pedaços e os coxinhas endinheirados se mudam pra lá, seguindo o modelo de Moema, na Flórida, é gentrificação? Então gentrificação é sinônimo de mau gosto e revitalização, de bom gosto? Do ponto de vista de quem? Certamente não do vendedor de bolo de fubá que acaba expulso da região.

    Aproveitando o mau humor: qual o problema com os cabeleireiros do Baixo Augusta? Entrei, com uma juba que precisava de reparos, num desses salões que combinam referências pop com estética retrô, ou seja, um salão meio hipster (não acredito que estou usando essa palavra pela segunda vez hoje) e disse: só corta as pontas, ok?

    E o cara me raspou a cabeça! Tudo bem que tenho quase quarenta anos e posso não estar ligado nas nuances da linguagem dos jovens. Mas eu falo português; converso com as pessoas em português; elas parecem entender o que eu digo e eu quase sempre entendo o que elas dizem. Eu disse apenas: por favor, tira as pontas aí, meu. E voltei pra casa careca.

    O filho da minha namorada tentou me acalmar: esses cabeleireiros hipsters (eu tinha simpatia pelos hipsters, mas depois de escrever quatro vezes essa palavra numa mesma crônica confesso que estou ficando cansado dessa conversa) não querem que você diga o que eles devem fazer. Eles são, ou se sentem, artistas. Assim, ó: você escreve. Você gosta que te digam o que você deve escrever? Faz um poema sobre Campos do Jordão, sobre o PT, sobre o mouse do seu computador. É a mesma coisa. Não adianta você dizer quero o meu cabelo assim ou assado. É a brisa do cara. Ele vai fazer o que passar pela cabeça dele naquela hora. Entendeu?

    Entendi.

    Vamo que vamo.

    fabrício corsaletti

    Nascido em Santo Anastácio (SP), em 1978, é autor de 'Esquimó' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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