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    Fernanda Mena

    Marcha lenta

    FERNANDA MENA

    19/06/2011 00h00

    Marcha lenta

    Desatado o nó em relação à Marcha da Maconha, liberada pelo STF na quarta-feira, os ativistas ganharam ontem as ruas do país para defender a legalização da erva sem a certeza do porrete.
    A base argumentativa dos manifestantes segue a linha adotada por Fernando Henrique Cardoso no documentário "Quebrando o Tabu": a guerra contra as drogas fracassou pois custa recursos e vidas demais para poucos resultados.
    Ao aplicar essa tese apenas ao caso da maconha, no entanto, a marcha parece servir mais para aliviar a consciência das classes médias do que para reduzir os efeitos adversos da política proibicionista.
    A incômoda relação entre o consumo de um baseado e a violência do tráfico, que corrompe o Estado e subjuga populações vulneráveis, foi tema de debate mais amplo a partir de 2007, com o sucesso de "Tropa de Elite", que explicitou tal ligação.
    Para fugir do papel de cúmplice dessa tragédia nacional, uma estratégia individual ganhou adeptos: cultivar Cannabis sativa no armário ou no quintal -o que, hoje, é considerado ilegal- no lugar de financiar o tráfico. Assim, legalizar a maconha resolveria contratempos com a polícia e a suposta culpa sem mexer nas engrenagens mais complexas da questão.
    Do ponto de vista da saúde, a mudança de paradigma necessária é a transposição do abuso de drogas da esfera policial para a médica.
    Estudos apontam que o uso de maconha tem menor potencial de causar dependência (9% dos usuários a desenvolvem) que substâncias lícitas como álcool (15% se tornam dependentes) e tabaco (32%). Liberar a maconha, portanto, pouco faria por quem mais precisa de ajuda: os que abusam de drogas pesadas, como o crack, por exemplo.
    Do ponto de vista socioeconômico, legalizar a erva teria baixo impacto no poder do crime organizado ligado ao tráfico -e também nas questões de direitos humanos que ele cria e das quais se alimenta.
    Uma análise de 2009 da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro revela que, na economia do tráfico, o faturamento anual obtido com a venda de cocaína na capital fluminense é de cerca de R$ 211 milhões. O da maconha gira em torno de R$ 54 milhões, montante quase quatro vezes menor -semelhante ao faturamento da venda de crack (R$ 51 milhões).
    Sem a maconha, o mercado negro de drogas, cujo combate drena as vidas e os recursos que se pretende preservar, perde, mas mantém seu produto mais rentável e sua rede de ilegalidades e vitimizações.
    É possível que a legalização da maconha, bandeira da marcha, seja o primeiro passo para mudanças mais profundas a longo prazo. Ainda assim, hoje, é plataforma política ingênua e, por seu interesse restrito, um tanto alienada.

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