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    Fernando Meirelles

    Atual meta do clima já põe em risco vida de milhões de pessoas

    05/12/2015 16h31

    Arquivo Pessoal
    Fernando Meirelles participou com Kumi Naidoo e Bianca Jagger de um painel organizado pelo Banco Mundial no Dia da Juventude
    Fernando Meirelles e Kumi Naidoo (falando ao microfone) participam de painel do Banco Mundial

    Sob um enorme letreiro onde se lê "Below 2ºC" (abaixo de 2ºC) pintado no pavilhão da Alemanha na COP21, em Paris, Kumi Naidoo, o diretor "supercool" do Greenpeace, foi taxativo: "Esses 2ºC me agridem toda vez que vejo isso nesta conferência. Um acordo que garante apenas os 2ºC vai salvar a Europa, parte da América e do hemisfério norte, mas com 2 graus os países insulares e alguns países já mais afetados estarão mortos!"

    A mídia, assim como eu, comprou a ideia de que um aquecimento até 2ºC para 2050 seria uma meta consensual. Não é.

    Quarenta e quatro países-membros da AOSIS (Alliance of Small State Islands) formada por países-ilhas como Cuba, Jamaica, Fiji ou Cingapura, juntos com um grupo chamado CVF (Climate Vulnerable Forum), que reúne 20 países já muito afetados pela mudança do clima, estão pleiteando que a meta de aquecimento seja reduzida para 1,5ºC. Caso a temperatura global suba 2ºC, alguns destes países serão engolidos pelo mar ou secarão, pondo em risco a vida de milhões de pessoas.

    Os anfitriões franceses estão sensíveis a demanda, embora isso pareça uma discussão retórica, já que, na rota pela qual vamos, estamos apontando para um aumento de 3,3ºC.

    Editoria de arte/Folhapress

    O jornalista britânico Mark Lynas fez uma espécie de compilação de diversos trabalhos científicos em seu livro "Seis Graus", no qual mostra as consequências de um aumento de temperatura progressivo, de 1 até 6ºC. Do ponto de vista emocional, a leitura não é fácil. Segue um pequeno resumo do resumo:

    - A Terra já esquentou 1ºC em comparação à era pré-industrial. Como consequência, só neste ano morreram 2.700 pessoas devido à onda de calor e à seca no Paquistão e na Índia. Da fome dos ursos polares, passando pela situação na Síria, que começou com refugiados da seca ocupando Damasco, até as inundações no sul do Brasil, os efeitos já podem ser listados em diferentes categorias.

    - Se chegarmos aos 2ºC, a expectativa é vermos o derretimento do Ártico (até 2030, segundo alguns), com o consequente desaparecimento de alguns países-ilha, além da morte da maioria dos corais e, com eles, uma enorme perda de biodiversidade marinha. Isso sem contar secas, ondas de calor, incêndios monstruosos em zonas sub-tropicais, migrações em massa, entre outros efeitos. E este é o futuro que queremos, pelo qual se luta aqui em Paris.

    - Mas, se todos os países apenas cumprirem o que prometeram em termos de redução de emissões, sem rever suas metas, entraremos numa zona de aquecimento entre 2ºC e 3ºC. Neste cenário, a Amazônia, pelo calor extremo e falta de chuvas, secaria em sua maior parte e provavelmente se incendiaria, transformando-se em savana e deserto. Fora isso, teríamos o derretimento do gelo da Groenlândia, fazendo o nível do mar subir alguns metros, inevitavelmente. O prazo? Este seria o mundo dos nossos filhos e netos.

    Maiores poluidores - Emissões de gases do efeito estufa, de 2005 a 2010 <div></div>Em gigatoneladas* de CO2 equivalente/ano

    - Se chegarmos aos 4ºC acabam-se as geleiras do mundo, o que provocará a falta d'água em regiões muito populosas e uma crise severa de produção de alimentos, trazendo consigo mais conflitos.

    - Mas seria aos 5ºC que os problemas realmente teriam início. O derretimento do permafrost (solo permanentemente congelado) nas geleiras da Sibéria liberaria uma quantidade enorme de hidrato de metano, um potente gás de efeito-estufa, acelerando o processo de aquecimento. O que ainda houvesse de civilização teria de se mudar para os pólos, onde haveria chuvas e temperatura amena com a possibilidade de cultivo —a esta altura, porém, as reações em cadeia do clima não podem ser mais previstas.

    - Aos 6ºC, seria a vez do hidrato de metano ser liberado dos oceanos, os quais já não teriam mais vida. Nesse momento, 90% das espécies estariam extintas, e a população humana, se tiver sorte, estaria drasticamente reduzida.

    Kumi está certo ao se irritar com o "2ºC" escrito nas paredes e ao tentar fazer com que as pequenas ilhas sejam ouvidas. O apelo delas pode vir a ser a nossa salvação.

    É arquiteto, diretor de cinema e TV, agricultor e cada vez mais ambientalista.

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