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    Fernando Canzian

    Dilma: matar ou sangrar?

    26/03/2015 02h00

    Cavalo de pau; 180 graus. Esse é o sentido do segundo governo Dilma. Nem se quisesse a presidente poderia fazer diferente. A realidade e o mercado a colocaram de joelhos. Como humilhação adicional, embalada pela corrupção, é a mandatária pior avaliada do Brasil em início de mandato.

    Sem opção, a guinada da presidente vai no sentido correto. O que coloca as outras forças políticas e a oposição em um duro dilema: dar ou não essa chance ao PT de Dilma e Lula de consertar as coisas.

    Em 2005, no auge do mensalão, optou-se por sangrar Lula, não matá-lo politicamente. Não se falou em impeachment como hoje. O ex-presidente se reelegeu no ano seguinte, com uma economia que se ergueu finalmente da crise de 2002/2003.

    Não seria incomum um roteiro parecido agora, com Lula novamente no páreo eleitoral em 2018. É bastante provável que se o ajuste de fato ocorrer, a recuperação seja relativamente firme, colocando a economia nos eixos daqui a dois, três anos. O quadro abaixo mostra o contexto das três últimas crises do país. Um bom indicador a se observar é a taxa de juros (Selic).

    Editoria de arte/Folhapress

    O juro sinaliza quanto o mercado confia na solidez da economia. Quanto maior a desconfiança no futuro e no ajuste, mais os investidores cobram para financiar o Estado. Estamos atravessando a tal "tempestade perfeita" com uma taxa inferior a 13% ao ano para tentar debelar uma inflação de 8%. É a metade da Selic usada em 2003 e um terço da aplicada em 1999, com pressões inflacionárias parecidas.

    Com a vantagem adicional de que o país entra na atual crise com uma das menores taxas de desemprego da história. Desemprego baixo torna mais difícil conter a inflação. Mas, com recessão no horizonte e sem as fortes correções de tarifas e gasolina deste ano em 2016, a inflação deve começar a ceder naturalmente à frente.

    Do lado externo, apesar dos problemas, os fluxos de dólares para o Brasil seguem praticamente inalterados até aqui (quase US$ 100 bilhões em 12 meses, 2/3 para investimentos produtivos). O país conseguiu manter sua classificação de "grau de investimento" por enquanto e a disparada do dólar deve ajudar nas contas externas. Com menos gastos de brasileiros lá fora e mais exportações.

    O grande ponto negativo é o efeito que a Petrobras e as empreiteiras envolvidas na Lava Jato terão sobre os investimentos. O tamanho ainda é incógnita. Assim como o efeito positivo que poderão ter novas rodadas de concessões estatais de aeroportos, ferrovias e estradas.

    Em condições normais, feito o ajuste, o país e Dilma talvez se saíssem relativamente OK. A ponto de manter competitivo o projeto para 2018 de Lula, presidente mais popular do país (com 83% de ótimo/bom) no final de mandato.

    Mas não estamos em condições normais. Enfraquecida por um Congresso rebelde e em meio a um escândalo de corrupção sem precedentes, a presidente traiu seus eleitores e agora é reprovada por 62% dos brasileiros. Tudo embalado por manifestações de rua que podem crescer.

    O cálculo político entre matar ou sangrar Dilma leva tudo isso em conta.

    fernando canzian

    É repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de política, do "Painel" e correspondente da Folha em NY e Washington. Vencedor de quatro prêmios Esso.

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