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    Fernando Canzian

    Esquerda no Brasil precisa de uma nova jabuticaba

    DE SÃO PAULO

    17/11/2016 10h10

    Principal entre as bandeiras da esquerda, o combate à desigualdade deveria ser considerado um problema técnico. De uso eficiente de recursos e de ferramentas do Estado para enfrentá-lo, quando isso se mostrar necessário.

    Em vários países, sobretudo na América Latina, fala-se agora em uma crise da esquerda. Ela tem como pano de fundo a falência de contas públicas nacionais e o esgotamento de um modelo anacrônico.

    Ele foi baseado no aumento indiscriminado do gasto estatal com recursos arrecadados em impostos, sob o argumento de melhorar a distribuição de renda.

    Isso ocorreu sem que esses governos criassem as condições, por preconceito ou dogmatismo, para estimular uma maior geração de riqueza (e impostos) pela via do liberalismo econômico.

    No Brasil, a esquerda agora se volta para sugestões como a criação de uma frente de partidos ou de prévias nesse campo para tentar se reerguer. Mas ainda discute se deveria agregar a essa tentativa de recomposição uma bandeira anticapitalista.

    O pior por aqui é que a esquerda se confunde com as bandeiras de sindicatos e centrais que reúnem servidores públicos com muita voz e poder de mobilização. Mas que, com seus privilégios salariais e aposentadorias, estão longe de serem representativos dos menos favorecidos.

    Nessa discussão bizantina, Brasil e México, as duas maiores economias da América Latina, oferecem como exemplos úteis o Bolsa Família e o Oportunidades, recentemente rebatizado Prospera.

    Desde o seu lançamento, os dois programas de distribuição de renda foram supervisionados de perto pelo Banco Mundial, instituição gêmea do "demônio capitalista" FMI em Washington, onde ficam frente à frente.

    No caso brasileiro, foi um empréstimo de US$ 30 bilhões do Fundo em 2002 quem obrigou o país a adotar o receituário do "tripé macroeconômico", que inclui contas públicas em ordem via superavit fiscal para abater a dívida estatal, inflação na meta e câmbio flutuante.

    A receita, considerada liberal por muitos na esquerda, salvou o Brasil de um desastre e ajudou o país a crescer 4% na média dos anos Lula, sustentando a ampliação de 3,6 milhões para 14 milhões no número de famílias atendidas pelo Bolsa Família.

    O total pago a elas saltou de R$ 600 milhões para R$ 27 bilhões, mas o custo foi mantido no equivalente a 0,5% do PIB, pois o tamanho da economia aumentou no período.

    Além disso, a grande melhora na distribuição de renda que houve no Brasil nos anos Lula foi por conta do aumento do emprego e do rendimento do trabalho, consequência de um ambiente econômico pró mercado.

    O exemplo mostrou (até Dilma) a simbiose possível, em uma economia nos eixos, entre um programa macroeconômico "liberal" e outro de cunho distributivo.

    Como o Bolsa Família atesta, a distribuição de renda pode ser até mais fácil de conquistar do que outras bandeiras caras à esquerda e consideradas progressistas, como cotas para negros, igualdade de gênero, inclusão de minorias e ambientalismo, temas atravessados por preconceitos.

    Uma saída talvez fosse uma frente ou partido que unisse as duas bandeiras liberais, na economia e em questões mais progressistas.

    No Brasil da jabuticaba, mas não só, uma tentativa dessa natureza, ou um "Partido Liberal de Esquerda", talvez rendesse mais frutos do que como se encaminha a discussão atual.

    *

    Neste link, reportagem sobre dez anos do Bolsa Família. Abaixo, a evolução do gasto e do atendimento do programa.

    Editoria de Arte/Folhapress
    fernando canzian

    É repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de política, do "Painel" e correspondente da Folha em NY e Washington. Vencedor de quatro prêmios Esso.

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