Traduzido do grego, é "palavra de bom agouro" (palavra que deseja o bem). Torna mais leve algo mais difícil de lidar. "Contabilidade criativa", no lugar de "trapaça", tem sido muito usada.
Como médico, acostumei-me a coisas horrorosas e nojentas, mas nunca superei a repugnância pelas secreções traqueobrônquicas (posso até falar delas assim, já "catarro verde" traz a coisa em si mais vívida, e me atrapalha).
Em algum sentido, qualquer palavra é um eufemismo, pois sempre será mais branda do que a coisa em si. Nossa espécie desenvolveu a extraordinária capacidade de simbolizar. Não é que cães não a tenham, o Flap não pode ouvir "banho" sem se esconder debaixo da cama.
Porém, os humanos levaram isso a um extremo tal que conseguimos lidar agilmente com ideias infinitas a partir de simples palavras.
Palavras? O que estou dizendo? Manchinhas de tinta, como essas que você vê impressas, detonam um universo incalculável de imaginação e possibilidades.
Baleia. Olhe de novo a palavra e pare para pensar na quantidade de imagens, histórias, sentimentos, raciocínios que ela te traz. Usei "baleia" porque nunca vi uma, só ícones representativos (fotos, filmes, desenhos, leituras). Só a conheço por símbolos.
A capacidade de simbolizar não permite apenas um mundo de pensamentos, permite ao homem lidar com sua violência. Nossa espécie é a única capaz de violência e crueldade, já que um leão a dizimar os filhotes que não são seus, para fazer sua própria prole com a viúva do derrotado "macho alfa", está apenas seguindo seu instinto --não é cruel, não tem intenção. E faz, com isso, que a fêmea ovule!
Nós o chamamos cruel, pois tirar os outros por nós mesmos (antropomorfizar) é uma característica básica do funcionamento de nossa mente.
A civilização começou quando o primeiro troglodita, em vez de dar com o tacape na cabeça do outro, disse o primeiro palavrão.
Uma cliente me contou, preocupada, que sua filha de dois anos aprendeu a cuspir em quem lhe desperta raiva. "O que ela fazia antes?". "Mordia". "Bem, então ela encontrou um insulto simbólico e menos danoso, a civilização está começando. Não se aflija, ela vai encontrar símbolos menos chocantes."
Na extremidade oposta do eufemismo se encontra a obscenidade. Ela não tem a ver necessariamente com sexo, apenas é insultuosa por sua ostentação e por seu conteúdo hostil. Cabelos pintados de acaju em políticos carcomidos são obscenos. Simbolizam a hostilidade escancarada, o seu desprezo pela coisa pública e pela democracia, seu amor pela trapaça mal disfarçada.
Você achou que eu pensava no brasileiro? Não, estava pensando num italiano...
O mais curioso é que a obscenidade pode ser representada por símbolos eufêmicos. Se escrevo %, você pensará em percentuais. Mas já %#@&*, fará com que você imagine as piores obscenidades, uma vez que não há nada tão terrível (nem tão maravilhoso) quanto a nossa imaginação. Um fóbico não teme os aviões, mas as caraminholas tramadas por sua imaginação, diante deles.
Escrevo isso tudo para expressar meu assombro pela maravilha do simbolizar.
Psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros.