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    Francisco Daudt

    As regras da casa

    30/04/2014 02h00

    Traduzida de sua origem grega, a economia fica assim muito mais fácil de entender. Ecologia é o estudo da casa, do ambiente. E anomia é um estado de caos, quando não há regras e vale tudo.

    Economistas que passaram por meu consultório entendiam muito de ativos e passivos, custos fixos e variáveis, investimentos (com bons e maus retornos, arriscados ou seguros) e gastos, e de outros pertences dessa curiosa feijoada.

    Mas, para minha surpresa, não se davam conta de que o conceito de economia, quase com os mesmos pertences, também se aplica à vida psíquica, e se mostravam gestores desastrados de seu capital mental.

    Pareciam fazer investimentos de péssimo retorno (como na gratidão, por exemplo). Ignoravam o custo de um favor pedido. Ou o perigo de um momento de ternura com o inimigo. Carregavam passivos inexplicáveis, sofrendo com eles.

    Para quem não é do ramo, ativos são seus bens, aquilo que você possui como patrimônio. Passivo é aquilo que você deve, o peso que você carrega.

    Aplicado à vida mental, seu ânimo, sua capacidade de amar, sua liberdade, sua intimidade, sua inteligência, seu alto astral, sua generosidade de espírito, seu gosto pela vida, sua libido, sua ética e sua estética, seu desfrutar das artes em geral, sua habilidade profissional, o gostar do que se faz, sua habilidade em ser pai/mãe, sua afetividade, o fazer amigos, de se comunicar bem –essas coisas todas são parte de seu patrimônio mental, seus ativos psíquicos, disponíveis para investimentos.

    É bem verdade que ser coitadinho e lucrar com isso (os "coitadistas") virou um ativo político, mas isso já faz parte das doenças psíquicas chamadas de "perversões".

    Por outro lado, o sentimento de culpa, de obrigações alheias ao seu gosto, o sentir-se preso ao passado, as inibições, a vergonha do próprio desejo, a compulsão ao sofrimento, o mau humor, o destempero, o desespero, as neuroses e perversões, os vícios, qualquer coisa/pessoa que nos aprisiona, esses fazem parte do passivo, daquilo que se deve.

    Uma síntese, grosseira, mas bem-humorada da psicanálise, diz: "Deveu? F%#&u!"

    De fato, o que parece má gestão da economia psíquica, não o é, há sempre uma razão, oculta e enigmática, sim, mas há, cabendo ao psicanalista se debruçar sobre a história do paciente para entender que diabo de passivo estranho ele está penando para pagar.

    O sujeito parece estar cumprindo pena de crimes horríveis. Por quê? Aí, o psicanalista precisa ser a um só tempo economista e advogado de defesa.

    Um, pega o livro-caixa e faz uma auditoria. O outro quer ver os autos do processo, para saber se o crime de fato existiu, se o tribunal não foi injusto, se a pena prescreveu.
    Exemplo: aquele que parece se sabotar para não ser nunca feliz.

    Sem que a gente saiba, ele está pagando uma "dívida" por ter nascido inteligente, se dado bem e saído do subúrbio, "esqueceu dos pobres, né?"

    Enfim, a psicanálise, aplicada à economia, quer apostar na saúde já existente, acertar as contas do passivo e deixar os ativos líquidos para investimento no desejado.

    www.franciscodaudt.com.br

    francisco daudt

    Escreveu até dezembro de 2017

    Psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros.

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