• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 07:27:33 -03
    Francisco Daudt

    O elefante

    18/03/2015 02h00

    Atravessavam os Estados Unidos de trem, quando um homem se levantou e começou a espalhar um pó tirado de uma caixinha pelo corredor entre os bancos.

    –Que pó é esse?

    –É pó de espantar elefantes!

    –Mas não há elefantes na América.

    –Ah, não tem problema, o pó é falsificado, mesmo...

    Há um enorme elefante sentado no meio da sala, e as pessoas se esgueiram com dificuldade para não esbarrar nele, para fingir que não o veem, um esforço enorme para ignorar sua presença. Tão grande é o esforço que transforma o elefante no sol que orbitam, mas um sol que obscurece. Um paradoxo enlouquecedor.

    "Agora você vai apanhar porque bateu no seu irmão", diz a mãe. "Maconheiro vagabundo", recrimina o pai, segurando seu décimo uísque. Eram exemplos do "discurso psicotizante", pela contradição e pelo non-sense que continham, um caldo cultural que faria os filhos perderem seus referenciais de realidade, nos ensinava a psiquiatria.

    Quando alguém escreve a um jornal reclamando de um vício de linguagem ou de um erro de português, isso pode parecer banal, mas a pessoa está lutando por sua saúde mental. E mais, está lutando pela saúde pública: é preciso que se mantenha um acordo social amplo, no qual urubus sejam chamados de urubus.

    Chamar urubu de "meu louro" pode ser um preocupante sinal de loucura, quando isso é dito por um parente ou conhecido.

    Mas se torna num atentado à saúde pública quando veiculado nos meios de comunicação. Se aparece num pronunciamento da presidente da República, em cadeia nacional de rádio e televisão, causa uma comoção tão grande, uma perturbação tão assustadora, que seria capaz de fazer com que os ouvintes reagissem em desespero, buscando fazer qualquer coisa dramática que afirmasse seu desacordo, que restabelecesse a ordem mental em que urubu é urubu, e louro é louro, a Petrobras não está sendo atacada pelos que querem ver os saqueadores na cadeia, mas vem sendo destruída pelos que a aparelharam, roubaram, desvirtuaram, tomaram decisões Pasadena, ou dez vezes piores, Abreu e Lima, para agradar ao Chávez, mantiveram a gasolina barata para maquiar a inflação, importando tanto combustível caro que afetou a balança comercial.

    E não, a culpa não é da classe média que viaja, ela não merece ser punida com o aumento de 1.600% num imposto sobre gastos no exterior (de 0,38% para 6,38% de IOF); não, não deve ser culpa de FHC algo que vem rolando pelos últimos 12 anos de governos petistas; não, as mudanças na economia que fazem o governo corrigir rumos não se deram depois das eleições, de surpresa, eles já sabiam delas enquanto a oposição as denunciava, e as negaram o tempo todo; não, não é culpa de são Pedro, a crise de energia tem a ver com o estímulo ao gasto que o rebaixamento voluntarista de tarifas promoveu; não, não isso, não aquilo...

    A quantidade de retificações necessárias para se manter a saúde mental pode ter chegado a um tal ponto, levado a população a um tal desespero de confusão cognitiva, que as pessoas correram às janelas para o panelaço.

    Para descobrir, logo após, que tinham sido orquestradas pela oposição golpista.

    www.franciscodaudt.com.br

    francisco daudt

    Escreveu até dezembro de 2017

    Psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024