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    Francisco Daudt

    Horror à liberdade

    28/10/2015 02h00

    Ambivalência significa que, em alguns casos de duas ideias opostas, AMBAS VALEM (ambi + vale). A humanidade gosta de liberdade, certo? E se eu te disser que a humanidade, em sua grande maioria, também tem horror a ela? Está bem, vou argumentar. O que é liberdade? É um ativo, um bem, um patrimônio disponível para aplicação, como dinheiro para se gastar. Antes de você ter em que aplicar, ou em que gastar, o dinheiro não vale nada, é só um potencial, um número na conta, uns papéis no cofre.

    A liberdade também, ela é só um direito em suas mãos. Para virar felicidade, precisa que você conheça seu desejo para saber onde gastá-la -sim, perder uma parte dela, ou você acha que vai se casar e continuar tão livre quanto antes? A felicidade é isso, conhecer o seu desejo e construir condições para realizá-lo.

    Depois de conhecer seu desejo, coisa que não é fácil, é preciso decidir sobre um monte de coisas que o farão viável. Seu desejo pode ser simples e bem aceito pelos outros. Ou não. Nesse caso, você vai ter que tomar decisões que contrariam os outros. Vai errar, vai se arrepender, vai sofrer, vai lutar, vai trabalhar muito para conseguir algumas coisas aqui e ali. E vai ter que suportar bem a solidão para poder ser livre, pois qualquer companhia tira um pouco da sua liberdade.

    De tal maneira que a liberdade, para muita gente, é um tanto superestimada como valor. Dá muito trabalho e "esquenta muito a cabeça".

    Nossa origem é uma doce prisão onde não pensávamos em nada, tudo era resolvido por nós. Não precisávamos nos preocupar com comida nem abrigo. Sem frio e sem fome, sem trabalho e sem dor, o ventre materno é nosso paraíso perdido, a terra do leite e mel, o colo ideal. Sim, há em nós uma força para sair dele, para conhecer o mundo, para se aventurar, para brincar lá fora, para construir, para descobrir, para realizar. Para se libertar da prisão da infância impotente e ir ao mundo!

    Espinoza dizia que a liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam. Essa tem sido minha militância: acreditar que a psicanálise e a psicologia evolucionista têm a função social de mostrar esses cordéis. Que elas podem estar ao alcance de todos, em vez de fechadas em linguagem acadêmica complicada e metida, voltada para iniciados.

    Vontade de prisão e vontade de liberdade, eu sei que ambas valem. Mas, infelizmente, a vontade de prisão seduzirá mais gente, gente que não quer esquentar a cabeça com a busca de liberdade: esses querem um rei, um ditador, um Estado-Mãe, as tiranias, as religiões fanáticas, as ideologias totalitárias, o populismo, o pai dos pobres...

    Porque também há muita gente querendo ser carcereiro, tirano e dominador, prometendo felicidade em troca da submissão, da servidão voluntária, "deixe que eu penso por você, que eu cuido de você, coitadinho". Esses também não gostam de liberdade, querem morar na grande prisão com os encarcerados, mas querem estar por cima, querem ser os donos do poder, querem mandar.

    Nós que gostamos de liberdade precisamos de um departamento de marketing melhor para ela, porque o da prisão está ganhando.

    *

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    francisco daudt

    Escreveu até dezembro de 2017

    Psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros.

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