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    Francisco Daudt

    É necessário coibir os predadores, com leis e punições exemplares

    16/03/2016 02h00

    "A humanidade se divide entre os que escovam os dentes com a outra mão apoiada na pia, e aqueles da mão na cintura."

    Esse jogo simplório de reduzir as características humanas a uma coisa ou outra é um instrumento de raciocínio útil: pensamos coisas complexas reduzindo-as a simplórias, de início, para depois partir para os acréscimos necessários que as aproximem da realidade.

    Assim, construtores seriam os que plantam, colhem, propõem, trabalham, realizam, refletem, explicam, ensinam, entregam, resolvem, cuidam, e assim por diante. Predadores seriam os que dos primeiros se aproveitam, parasitas, sanguessugas, encostados, os que só derrubam, só criticam sem propor, e os atualíssimos partícipes das redes sociais que têm orgasmos ao se sentir ofendidos.

    Só que, como dito antes, a vida real é mais complexa: se queremos nos olhar no espelho dela, não podemos dividir a humanidade assim.

    O que vemos nesse espelho? Antes de mais nada: espelho serve para a gente se olhar, de modo que eu não me isento dessa prática, não sou psicanalista de ficar estudando os outros de cima de uma torre de marfim, me excluindo do processo: olho-me primeiro, e exponho o que vejo ao cliente/leitor para ver se ele enxerga um símile em si.

    Pois vejo que há construtores e predadores em mim. Sou capaz de construções generosas e de predações mesquinhas. Fernando Pessoa me deu a lição final de humildade ao dizer que só conheceu príncipes na vida, "todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo (...) e eu tantas vezes irrespondivelmente parasita", em seu "Poema em linha reta".

    Eu também, poeta, eu também...

    Claro que prefiro ser construtor, é mais bonito, e estou convencido de que meu melhor caminho para a ética (o acordo de boa convivência social) é a estética.

    Há lucro em ser predador –e as manifestações do último domingo tiveram o desmascaramento desse lucro como alvo–, mas, para corações ainda sensíveis, é feio e produz um triste sentimento de decadência.

    Então, como fazer para que o construtor predomine sobre o predador? Primeiramente, há que se encarar o fato de que é muito mais fácil predar que construir: as Torres Gêmeas de NY levaram décadas sendo construídas e em operação, produzindo e abrigando trabalho; no entanto, foram postas abaixo numa manhã. Pense na Petrobras e no tempo que levou para se tornar o gigante produtivo de excelência que foi. Preciso explicar o resto?

    Faz-se, pois, necessário coibir os predadores, com leis e punições exemplares a quem as violem. Transparência de processos e vigilância constante que os inibam.

    Do outro lado, há que se estimular e premiar os construtores. Nesse quesito, a cultura brasileira é um desastre: contaminada pelo princípio marxista-anarquista de que o lucro é crime e a propriedade é um roubo, não serve propriamente de estímulo a construtores. É um senso comum difícil de desmontar, tantos anos de catequese marxista pelo Partidão (e seus sucessores) que aparelharam todos os postos possíveis de ensino de história e geografia.

    É triste, pois a natureza fornece o melhor estímulo aos construtores: a ambição de melhorar de vida.

    francisco daudt

    Escreveu até dezembro de 2017

    Psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros.

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