• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 04:11:04 -03
    Gregorio Duvivier

    Conto de Natal

    DE SÃO PAULO

    23/12/2013 03h00

    Meus primos já não acreditavam em Papai Noel havia muito tempo. A Barbara, minha irmã mais nova, já não acreditava em Papai Noel havia muito tempo. Eu era o último beato: era pra mim que continuavam a encenação. E que encenação.

    Como o Natal era sempre na fazenda, meu avô aparecia em cima de um trenó puxado por uma rena. Era tipo Disney, só que mais real.

    Pros meus amigos descrentes, eu dizia: "Vocês só conhecem aquele Papai Noel do shopping. É claro que aquele não existe. O que vai lá em casa é especial. Ou você acha que é qualquer velhinho que tem um trenó puxado por uma rena?".

    Já devia ter uns sete anos de idade quando percebi que tinha alguma coisa errada. Peraí. Esse trenó é uma carroça. Essa rena é um jumento. E esse Papai Noel tem os olhos do meu avô, a voz do meu avô e os dois nunca estão no mesmo lugar ao mesmo tempo. A verdade começou a ecoar como num filme: o Papai Noel é o seu avô. O seu avô é o Papai Noel. Luke, I am your father. Balbuciei: "Vovô?". Ele tossiu. Cobriu os olhos. Ô-ôu.

    Olhei em volta e vi que todos estavam prendendo o riso, inclusive a minha irmã mais nova. Todos sabiam de tudo. E o pior: todos sabiam que eu não sabia.

    Fui correndo pro banheiro e vomitei a ceia de uma vez só. Na boca, o gosto azedo de decepção, desespero e chester com farofa de ameixa.

    "Se o Papai Noel não existe, o que é que existe, então? Por que é que a Barbara não me contou que ele não existe? Será que isso quer dizer que sou mais burro que ela?"

    Chorei por horas e nunca mais acreditei em nada: Papai Noel, coelhinho da Páscoa, fada do dente, Deus, o Espírito Santo, homeopatia e relacionamento aberto.

    Quando via um quadro de Jesus, eu tinha vontade de puxar a barba postiça. Tadinho do vovô, acha que me engana.

    *

    Meu primo Santiago (filho dos meus primos) tem três anos de idade. Perguntaram o que é que ele ia pedir ao Papai Noel. Ele disse que não queria nada. Explicaram que o Papai Noel podia conseguir qualquer coisa que ele quisesse. Era só pedir.

    Seus olhos brilharam, fascinados com tanto poder. E disse: "Então pede pra ele um empadão".

    E de repente o Natal voltou a fazer sentido. E meu avô, depois de 20 anos de férias, vai voltar a desempenhar seu papel. Acho que meu ceticismo não resiste a uma aparição na carroça, trazendo um empadão.

    gregorio duvivier

    É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024