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    Gregorio Duvivier

    RIP Rio

    06/07/2015 00h15

    Filho, sei que é estranho, mas em Santa Teresa tinha um bonde.

    Tinha um bonde em Santa Teresa. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. O bonde subia e descia. Não pegava trânsito. Era tipo um BRT, só que não poluía. O prefeito da máfia do ônibus acabou com ele. Também tinha um trem que levava do Rio a São Paulo -o trem de prata. A gente jantava, dormia e acordava em outra cidade. Era mágico.

    Naquela época, as praças eram abertas -não tinham cerca em volta. E nem tinham academias de idoso -os idosos da minha época não faziam transport. Jogavam damas, porrinha, pif-paf, liam o jornal (a cidade tinha vários jornais diferentes na época). Na General Glicério tinha chorinho. Na São Salvador tinha um coreto. Na Pio 11 tinha uma festa junina.

    Dirigia-se bêbado, é verdade. Em compensação, ainda existiam botecos. Boteco, meu filho, era uma espécie de farmácia. Em vez de remédio serviam bebida. E ovo colorido, às vezes. Tinham menos farmácias, não sei por quê. Talvez as pessoas ficassem menos doentes, talvez os doentes tomassem menos remédios (pra dor de cabeça, punha-se uma batata gelada na testa. Funcionava).

    As ruas tinham sapateiro, florista, alfaiate, verdureiro, confeiteiro, moldureiro, quitandeiro, armarinho, papelaria, sebo, loja de discos, livrarias, cinemas e, pasme, teatros.

    Seu pai trabalhava com teatro. Fez teatro no Villa-Lobos, depois no Glória, depois no Jockey. Assistia a shows de Caetano e Chico no Canecão, dos amigos no Cinemateque, de jazz no Mistura Fina. Dançava forró (tão mal, coitado) no Ballroom. Não sobrou nem uma plaquinha pra contar história. "Aqui Eike Batista demoliu um teatro."

    Você não sabe o que é teatro? Um teatro, meu filho, era tipo uma igreja. Mas, ao contrário das igrejas, a gente tinha que cobrar meia-entrada. E a gente pagava imposto. Deve ser por isso que não existe mais. Não era tão lucrativo. E não tinha bancada no Congresso, também.

    Na Rio Branco tinha uma livraria linda, a Leonardo Da Vinci. No Leblon e em Ipanema tinha a Letras e Expressões. Na Gávea, a BookMakers. No Jardim botânico, a Ponte de Tábuas. As pessoas compravam livros. Livro, meu filho, é tipo um caderno que já vem com coisas escritas. Isso, meu neto, tipo a Bíblia.

    Em compensação, a cidade virou um parque olímpico. Prontinha pra sediar novas Olimpíadas. Quer dizer, tá meio caindo aos pedaços, porque ninguém usa as instalações. Mas parece que uma reforminha resolve.

    gregorio duvivier

    É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas.

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