Fiquei chocado quando li a manchete da Folha que dizia que pesquisa indicava que metade do Brasil acha que "Temer deve ficar" –contrariando todas as pesquisas anteriores e a percepção geral da nação. Quem mora no Brasil sabe bem: poucas coisas neste país são mais impopulares que nosso mordomo interino.
Michel Temer, mais conhecido pelo seu primeiro nome "Fora", teria dificuldade em se eleger vereador em Tietê, sua cidade natal (segundo matéria do "Estadão", nem seus amigos de infância votaram nele). Não tenho dúvidas de que, entre Temer e uma tomada de três pinos, o brasileiro preferiria a tomada de três pinos –e só Deus sabe como a gente odeia a tomada de três pinos. Mas a pesquisa é do Datafolha, e você sabe: os números não mentem.
CATARINA BESSELL | ||
Ilustração de Catarina Bessell para o texto 'Qual é, Dona Folha?' de Gregorio Duvivier |
Não demorou até que Glenn Greenwald desmascarasse a manipulação: os números de fato não mentiram, mas a Folha omitiu muita coisa. Faltou dizer que a metade que quer que ele fique só quer que ele fique se a outra opção for Dilma. O número cai para 30% quando a outra opção são novas eleições, que ficou com a grande maioria (62%) da preferência popular. "Novas eleições" ganharia as novas eleições no primeiro turno, e isso não foi sequer citado.
Mudando de assunto, mas não muito: poucas coisas são mais anárquicas (e engraçadas) que o desenho animado "Family Guy", da Fox. Bate na família, na tradição, na propriedade e, sobretudo, na Fox –emissora conhecida por suas posições de direita. Por que a emissora transmite, há anos, um desenho animado que ri o tempo todo dela mesma? Simples: porque dá lucro. Há mais de dez anos no ar, "Family Guy" tem sido campeão de audiência no horário. O desenho animado prova que a Fox pode ser conservadora, mas é mais capitalista do que conservadora.
Quando você escreve uma coluna de esquerda num grande jornal, você vai apanhar dos dois lados: os leitores do grande jornal vão te odiar porque você é de esquerda, a esquerda vai te odiar porque você escreve num grande jornal. Costumo defender, quando atacado, o grande jornal: a Folha não é conservadora, ela é capitalista.
O que movia a máquina era a vendagem, hoje é o clique. Por isso estou aqui: porque (vai entender) dou clique. Por isso, também, a direita mais hidrófoba está neste jornal: porque (vai entender) dá clique. Faz sentido, não faz? Faz. Até que uma lambança como essa vem à tona. Fica parecendo, Dona Folha, que a senhora é ainda mais conservadora do que capitalista.
É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas.