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    Gregorio Duvivier

    Saudoso coquetel

    16/10/2017 02h00

    Catarina Bessel/Editoria de Arte/Folhapress

    Chega de tentar explicar a diferença entre nudez e pornografia, ou de discutir a educação do filho dos outros. A gente precisa parar de perder tempo e falar do que realmente importa: quando foi a última vez que você viu um coquetel de camarão?

    Meia-dúzia de camarões penduravam-se ao redor da borda de uma taça, com os rabos pra fora e a cabeça mergulhada no molho rosê - como se estivessem brincando de ver quem aguentava mais tempo debaixo d'água sem respirar. Nunca pude experimentar um camarão –sou alérgico a crustáceos– mas achava essa visão espetacular, o cúmulo da sofisticação.

    Um belo dia, o coquetel sumiu. Acho que foi no início dos anos 90, junto com a União Soviética, mas o sumiço do coquetel ninguém percebeu, talvez ofuscado pelo desmantelamento soviético. Vinte anos depois a pochete voltou e o coquetel ficou lá, ao lado das ombreiras, da carteira de velcro e do Macaulay Culkin.

    Quem trouxe o coquetel à tona foi meu amigo Duda, e logo alguém lembrou da cascata de camarão - prima ainda mais rica do coquetel. Teresa assinalou que as comidas decorativas morreram todas: o saudoso abacaxi decorado com ovos de codorna espetados desapareceu, assim como a sacanagem "" aquele espetinho de ovo de codorna, salsicha e queijo minas no palito. "Faz tempo que não encontro um sanduíche de metro decorado com fios de ovos e cerejas-em-calda" lembrou Felipe. As cerejas-em-calda, de modo geral, sumiram do mapa - talvez por que descobrimos sua real identidade, e o termo chuchu-com-corante não é muito convidativo.

    O risoto assado, lembrou Marina, tá mais sumido que a Meg Ryan. Já não se servem frutas em calda nem se enrola o presunto no melão, e há anos o petit gateau desbancou o profiteroles "" uma espécie de fusca das sobremesas (popular nos anos 60, voltou com Itamar, e morreu logo depois). Lamento que essa juventude que está aí lanchando temakis e frozen yogurts jamais tenha tido o prazer de degustar um creme de abacate. Não sei em que momento o Brasil passou comer o abacate salgado, como os gringos, em torradas ou guacamoles. No saben de nada, inocentes: abacate é com leite moça e casquinha de limão.

    Quais serão os próximos a morrer nessa guerra? Sinto que o empadão tá agonizando, por conta da glutenfobia. Preocupa-me imensamente, muito mais que a nudez. Não sei se tô pronto pra viver num país sem empadão - ou, pior ainda, sem empadinha.

    gregorio duvivier

    É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas.

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