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    Gregorio Duvivier

    Se é pra morrer de fome, diz meu gato, que seja com dignidade

    27/11/2017 02h00

    1. Meus gatos nunca se desesperam quando eu esqueço de dar comida. Já aconteceu de passarem um dia inteiro sem ração -desculpa, Suipa, desculpa, Luisa Mell, foi uma vez só, não vai se repetir.
    Qualquer animal que passou um dia sem comer voaria em cima do potinho de comida, incluindo este animal que vos escreve.

    Os gatos, no entanto, olham de longe a comida sendo despejada sobre o pote. "Rapaz!", disfarçam, "nem tinha reparado que o pote estava vazio". Não importa o quão esfomeados eles estejam, sempre guardam distância -física e moral-do potinho de ração. "Olha só quem lembrou que a gente existe! Bacana. Mas não pense que vou me humilhar assim tão fácil." Esperam eu virar as costas pra avançar sobre o pote como os animais que são.

    Trata-se de um problema evolutivo, claro. Poderiam morrer de fome, caso o dono desistisse de servir a comida e a guardasse de volta no saco. Dane-se, pensam. Que eu morra com dignidade.

    2. Meus gatos preferem a embalagem a qualquer presente. Não importa o presente. Já comprei uma caminha com lençol de mil fios. Bolinhas com chocalho dentro. Castelinhos com colunas de arranhar e bolinhas escondidas. Eles olham decepcionados. "Não foi isso que eu pedi. Cadê minha caixa de papelão? Achei que eu tivesse sido bem claro quanto à minha preferência por plástico bolha."

    3. Meus gatos ficam loucos com luz laser. Se você não tem gatos, já deve ter visto no YouTube. Tenho dúvidas quanto à graça disso porque não acho que eles estejam se divertindo. Parecem acreditar que se trata de uma espécie estranhíssima de vaga-lume mutante que precisa ser combatida pelo bem da casa.

    4. Meus gatos só fazem o que foi ideia deles. Ou o que eles pensam que foi ideia deles. Fazem uma excelente massagem nas costas -a medicina ainda há de estudar os efeitos milagrosos do shiatsu felino.

    Mas não adianta marcar consulta, claro. Nem adianta colocar o gato sobre as suas costas. Ou oferecer salmão defumado. Gatos não se vendem por comida.

    É preciso que você deite de bruços e finja que está dormindo e que não quer ser incomodado. Aí, então, o gato vai surgir, pensando que teve uma ideia brilhante. Mas você precisa continuar fingindo que não está nem aí. Então ele vai subir sobre as suas costas e fingir que não sabe que você tá fingindo que não tá nem aí. Daí você precisa fingir que não sabe que ele tá só fingindo. E ele vai fingir de volta. Nem pense em agradecer. Ele pode ficar ofendido.

    Catarina Bessell
    gregorio duvivier

    É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas.

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