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    Gregorio Duvivier

    Tudo o que o Sol toca, Simba, tudo é passível de treta

    11/12/2017 02h00

    Editoria de Arte/Folhapress

    Semana passada, Estela, a labradora da minha mãe, teve dez filhotes. Dez. Do dia pra noite, uma dezena de criaturinhas branquelas e meladas saíram do seu ventre e, superando as previsões mais otimistas, todas seguem vivas e saudáveis e deliciosamente fofas.

    Estela passa o dia lambendo a cria, e quando um bebê tá dormindo há muito tempo ela acorda o filhote preguiçoso: "Bora mamar!".

    Poderia ficar horas assistindo ao espetáculo de dez filhotinhos disputando nove tetas –tem uma magricela que nunca consegue mamar, só porque é magricela, o que a torna ainda mais magricela, então é preciso volta e meia fazer uma redistribuição de tetas.

    Tenho evitado a internet. Tudo vira uma discussão inócua e interminável. "Taí uma coisa unânime", pensei. "Filhotes de cachorro talvez sejam a última unanimidade que nos resta." Quem sabe conseguiria, com uma foto da prole mamando, unir o Brasil. Doce ilusão.

    "Parece o governo do PT", comentou um, abaixo da foto. "Por que procriar e não adotar?", perguntou um seguidor. "São 30 milhões de animais domésticos abandonados no Brasil", dizia um ativista, emendando com a hashtag #QuemAmaCastra.

    Conclusão: melhor desistir da internet. Entendo que já existam muitos cachorros, mas ainda assim continuo sem entender que tipo de criatura vê filhotes de labrador e pensa: "Eu preferia que eles não existissem".

    Tentei argumentar que parir era um direito, e o sexo também, mas logo rebateram: "Não existe sexo consensual entre animais, logo lamento te informar que sua cadela foi estuprada". Meu Deus, como avisar isso pra ela?

    Detesto fazer coro com os que dizem que o mundo tá chato. Mas se uma cachorra já não pode ter filhotes, e se os filhotes não podem ser comemorados, vou ter que concordar: o mundo tá meio chato.

    Já que a superpopulação incomoda tanto aos ativistas, vale lembrar que no momento existe uma superpopulação muito mais perigosa pro planeta: a superpopulação humana. E já não adianta castrar humanos, porque o estrago que a gente fez tá bem adiantado. Aproveito então pra propor uma hashtag bem mais eficiente pros ativistas de timeline. Chama #QuemAmaSeMata. Afinal, sua vida tá esquentando o planeta e tornando pior a vida de muita gente ao seu redor. Você já pensou nisso?

    Ah, todos os filhotes já tem casa. E a Estela vai ser castrada. Porque afinal todos concordam que dez é um bom número.

    gregorio duvivier

    É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas.

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