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    Guilherme Wisnik

    Arquitetura expansiva

    25/01/2016 02h00

    Com apenas 48 anos de idade, o chileno Alejandro Aravena é o vencedor do Pritzker 2016, o mais importante prêmio para arquitetos no mundo, concedido pela Fundação Hyatt. Ao mesmo tempo, é também o curador da Bienal de Arquitetura de Veneza, que abre em maio próximo.

    Sua consagração mundial vem envolta em um interessante paradoxo, bastante sintomático do mundo atual. Por um lado, a arquitetura de Aravena se tornou conhecida pela ênfase social, com importantes obras de habitação para baixa renda, feitas segundo processos participativos. Por outro, sua aparência pessoal e atitude profissional, que combinam uma elegância fashion a um ar inteligentemente autopromocional, podem ser vistos como sinais antagônicos à posição política que uma arquitetura social deveria a princípio encarnar. Estaria esse filho dileto da elite chilena, bem conectado a poderosas instituições norte-americanas, como a Universidade de Harvard, o Centro David Rockefeller e a família Pritzker, apenas surfando na onda social que emergiu depois da crise financeira de 2008?

    Me parece que não. Sua obra e pensamento são consistentes e provocadores. O conjunto de habitações sociais Elemental (nome do seu próprio escritório), que Aravena projetou e construiu em várias cidades chilenas ao longo dos anos 2000, é simples e incisivo. O projeto começa identificando a impossibilidade de se construir casas dignas para as famílias com o baixo orçamento disponível pelo governo. Ao mesmo tempo, percebe que a solução verticalizada, em edifícios, impediria a expansão futura dos apartamentos. Assim, observando a alta mobilidade construtiva das favelas, valoriza a possibilidade de expansão e contração das unidades como um dado essencial do projeto. Os moradores não são apenas clientes do projeto, mas também interlocutores em seu processo de criação, e empreendedores futuros de seus próprios negócios, ampliando suas casas na medida de suas possibilidades e desejos.

    Rejeitando as casas mínimas e os edifícios de apartamentos empilhados, o projeto Elemental cria sobrados geminados feitos pela metade. Assim, a metade vazia pode permanecer tal e qual, apenas como um terraço aberto entre unidades, ou pode ser preenchida com o tempo, permitindo não apenas a expansão da casa, como também a variedade formal do conjunto, evitando a monotonia. Resultado muito interessante o agrupamento serial desses volumes cinzas, feitos de blocos de concreto, intercalados por áreas vazias e outras preenchidas por paredes e esquadrias de cores diversas. A arquitetura define um arcabouço a partir do qual a comunidade intervém de forma orgânica ao longo do tempo, como sujeitos ativos da própria urbanidade.

    Em que isso nos toca? Aravena é o membro mais proeminente da chamada "geração dourada" da arquitetura chilena, que emergiu nos anos 1990. Com o respeito da elite local, e ocupando posições estratégicas nas universidades, eles conseguiram construir obras públicas importantes, nas duas últimas décadas, afirmando a arquitetura como um valor social fundamental no país. Assim, não é por mero acaso que essas obras, hoje, circulem mais que as brasileiras nos veículos internacionais. E que o Chile tenha sempre representações mais potentes e provocativas que as nossas nas Bienais de Veneza.

    guilherme wisnik

    Escreveu até janeiro de 2017

    É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e crítico de arte.

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