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    Guilherme Wisnik

    #NãoVaiTerGolpe

    21/03/2016 02h00

    Votei em 1989, com 17 anos. Pertenço a uma geração que viveu de raspão os estertores do regime militar e que cresceu junto com o fortalecimento dos movimentos sociais, no processo de redemocratização do país.

    Sou alguém que, como muitos, comemorou a chegada de Lula à presidência em 2002 e depois provou o gosto amargo da realpolitik do PT no poder. Ainda que nunca tenha esperado pureza da política, nós —no plural, incluindo aqui parte expressiva da minha geração— não aceitamos o fato de o partido ter aprofundado o pernicioso patrimonialismo brasileiro, tratando os assuntos públicos com base nas relações pessoais de favorecimento.

    Encarnando o "homem cordial", Lula no poder trocou a luta de classes pelo lema do "paz e amor" e fez um governo de coalizão em que, sob o contexto favorável da alta das commodities, milagrosamente todos pareceram ganhar. Isso, contudo, às custas de políticas agrárias predatórias, crimes ambientais e de um fisiologismo político com grandes empreiteiras, que escorchou os movimentos sociais ligados à causa habitacional, surgidos desde o fim da ditadura. Do ponto de vista urbano, o programa Minha Casa Minha Vida é um desastre.

    Diante de tamanha capitulação face a um real programa de esquerda, surpreende a violência do ódio de classe contra o PT que impera hoje no Brasil. Sim, há um evidente descontentamento da maioria com a corrupção, no contexto de uma forte estagnação econômica. Mas o ódio é de classe e é insuflado pela grande mídia.

    Entende-se, de certa forma, que uma geração de pessoas que se profissionalizou já nesse século, buscando idealmente fazer valer o lugar da lei no país, tenha procurado inserir-se menos na política do que no sistema judiciário. Ocorre que figuras como Sérgio Moro incorrem no mesmo erro estrutural, abusando do poder, usando-o de forma discricionária, e, com isso, substituindo a política pelo salvacionismo personalista.

    A manipulação de informações posta em prática pelo juiz e pela Rede Globo é indecente. Indícios que não provam nada. Registros de foro privado, descontextualizados, editados, que não podem ser objeto de escarnecimento público. O que apareceria se os diálogos íntimos do próprio Moro fossem tornados públicos? No "Jornal Nacional", trechos soltos de conversas grampeadas foram narrados por uma voz em off, dando-lhes entonações tendenciosas, o que é gravíssimo. Justiça transformada em justiçaria, ventilada de forma criminosa na grande imprensa, empurrando-nos na direção da intransigência e do ódio cego. Fascismo de massas, no qual, diante da desagregação política, emergem figuras sinistras como Bolsonaro.

    Em recente entrevista à Folha, Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro de Sarney e de FHC, esclarece que a política do governo Dilma afronta em essência os poderes rentistas brasileiros e estrangeiros, rompendo, em um momento de crise, o pacto lulista e voltando-se mais claramente para as camadas mais pobres da sociedade. Camadas estas que eram a maioria esmagadora das pessoas presentes na manifestação de sexta-feira na avenida Paulista. Daí o ódio de classe.

    Por isso, muitos ex-petistas como eu voltaram às ruas, em favor da democracia e da governabilidade. E, enquanto não surgirem provas reais contra a presidenta, engrossamos o coro: #NãoVaiTerGolpe.

    guilherme wisnik

    Escreveu até janeiro de 2017

    É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e crítico de arte.

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