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    Guilherme Wisnik

    Aprendendo com Paulo Mendes da Rocha

    16/05/2016 02h00

    No dia 5 último, Paulo Mendes da Rocha foi anunciado como o vencedor do Leão de Ouro da Bienal de Veneza. Somado aos prêmios Pritzker (2006) e Mies van der Rohe (2000), ele é agora um vencedor do Grand Slam da arquitetura mundial. Nenhum outro arquiteto latino-americano foi tão premiado.

    É admirável o fato, no entanto, de que tamanho reconhecimento de crítica tenha sido possível mesmo com uma quase total ausência de obras suas no exterior. E, mesmo no Brasil, embora seja autor de construções notáveis –como o Museu Brasileiro da Escultura, a cobertura da Praça do Patriarca e a reforma da Pinacoteca do Estado, em São Paulo, e o Estádio Serra Dourada, em Goiânia–, elas, ainda assim, são poucas e estão aquém da relevância que poderiam ter. Seria isso uma contradição?

    Mendes da Rocha é uma das raras pessoas, no mundo de hoje, que não faz concessões para agradar os outros e aumentar o seu "networking" no mercado. Muito ao contrário, demonstra uma explícita discordância em relação a certas encomendas, sugerindo a seus clientes radicais mudanças de planos (compra de outro terreno, mudança de programa etc.), o que quase sempre inviabiliza o trabalho. Para alguém que, como ele, acredita tão firmemente em uma arquitetura que potencialize a experiência da vida urbana, as eventuais encomendas para projetar condomínios de casas fora da cidade ou pavilhões de arte em chácaras bucólicas, por exemplo, não são opções razoáveis.

    Cassado pelo regime militar em 1969, Mendes da Rocha ganhou, no entanto, o concurso público de projetos para o Pavilhão do Brasil na Expo'70 em Osaka, no Japão. Construindo um terreno ondulado artificial, como dunas de asfalto que apoiavam uma grande cobertura de concreto, o arquiteto brasileiro fez uma obra espantosa, que hoje é considerada chave no contexto de arquiteturas-paisagem.

    De volta ao Brasil, teve que encarar não apenas as dificuldades criadas pela ditadura, mas a situação de um mercado imobiliário cada vez mais voltado para a especulação e para o descarte de valores coletivos em prol da segmentação e da privatização total dos espaços e das mentes. E se outros arquitetos de sua geração passaram a construir muito nesse período, Paulo Mendes da Rocha é o arquiteto que não constrói (porque não pode, porque não quer) edifícios em que os salões de festas sacrificam o andar térreo, as garagens e guaritas comprometem as ruas lindeiras, e as plantas dos apartamentos privilegiam copas e lavabos, com janelas cada vez menores.

    Era divertido saber da perplexidade de jornalistas e possíveis clientes estrangeiros dez anos atrás, quando, após o anúncio do Prêmio Pritzker, ligavam para o escritório do arquiteto e eram atendidos por uma secretária que não falava inglês. De um ponto de vista pragmático, é evidente que teria sido fácil resolver esse "problema". Mas há, claramente, uma afirmação nessa recusa. Paulo nunca aceitou virar vítima de prêmios. E sabe que a atitude de dobrar-se ao ponto de vista do outro, em tempos de grossa globalização, representaria a morte. Assim, mantendo-se fiel a si mesmo, discursa sobre o lugar do arquiteto e do intelectual no mundo de hoje. E é exatamente isso que tem sido reconhecido pela crítica mundial. Sua intransigência é um ethos precioso, e cada vez mais raro.

    guilherme wisnik

    Escreveu até janeiro de 2017

    É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e crítico de arte.

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