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    Guilherme Wisnik

    Arquiteto Pedro Paulo Saraiva deixou obras discretas e contundentes

    22/08/2016 02h00

    Morreu na última semana o arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva, aos 83 anos de idade. Nascido em Florianópolis, Saraiva estudou no Mackenzie, onde lecionou até o fim da vida. Tendo se fixado em São Paulo, tornou-se um dos maiores expoentes da chamada Escola Paulista, caracterizada pelo amplo uso do concreto armado, em construções definidas pela sua estrutura.

    Avesso a apelos espetaculosos, a formas cuja gratuidade escapa de um ordenamento modular, Saraiva construiu uma obra rigorosa, correta e, ao mesmo tempo, arrojada -que felizmente saiu publicada poucos meses antes da sua morte no belo volume monográfico "Pedro Paulo de Melo Saraiva: Arquiteto" (Romano Guerra Editora, 272 págs., R$ 130), de Luis Espallargas Gimenez.

    Autor de construções importantes em sua cidade natal, como a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o Palácio da Justiça do Estado, o Fórum de Florianópolis e a ponte Colombo Salles, Pedro Paulo projetou também excelentes edifícios residenciais construídos em Santos e em São Paulo, sobretudo no bairro de Higienópolis.

    Além disso, ainda recém formado projetou o admirável Edifício Quinta Avenida (1958), na avenida Paulista, discreta lâmina que se ergue transversalmente sobre um generoso embasamento térreo -expansão da calçada da Paulista-, que abrigou por muitos anos a vídeolocadora 2001.

    Reprodução
    O arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva
    O arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva

    Pedro Paulo Saraiva, assim como Paulo Mendes da Rocha, pertence a uma geração que se formou em meados dos anos 50, quase que contemporaneamente ao concurso para o plano piloto de Brasília. Uma geração, portanto, que se preparou para construir um país moderno e com vasto território, algo que parecia de certa forma natural àquela altura.

    Ao contrário disso, porém, assistiu tanto ao recrudescimento do mercado imobiliário nas grandes cidades que se afastou da intelligentsia arquitetônica, quanto ao desvio tecnocrático das grandes obras infraestruturais e urbanas sob o ufanismo grandiloquente do regime militar.

    É da consciência desse descompasso histórico que vem, de certa forma, a radicalidade estrutural da Escola Paulista, cujos grandes vãos, em ambientes pouquíssimo compartimentados, constituem proezas e audácias, nas palavras de Vilanova Artigas -próprias ao raciocínio de arquitetos que queriam realizar antecipadamente, no espaço, uma revolução política e social que não vinha.

    Um belo exemplo disso é o Edifício Acal, projetado por Saraiva em 1974 e situado entre as avenidas Faria Lima e Cidade Jardim. Trata-se de um prédio de escritórios de planta quadrada, com as quatro fachadas uniformes, compostas por uma grelha treliçada de concreto armado com módulos quadrados contraventados em X.

    Aqui a estrutura ganha tal protagonismo que se desloca do esqueleto para a pele, constituindo a própria imagem do edifício. Tal é a escala e a presença da estrutura, nesse caso, que ela já não é um mero sistema de apoio da construção, e sim o espaço em si mesmo. Simbolicamente, o usuário torna-se um habitante da própria estrutura.

    Já nos anos 2000, Saraiva projetou a requalificação do Mercado Municipal de SP, construindo um elegante mezanino metálico para restaurantes, solto da estrutura original do edifício. Discreta e contundente, sua obra se inscreve com destaque na nossa história urbana.

    guilherme wisnik

    Escreveu até janeiro de 2017

    É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e crítico de arte.

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