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    Guilherme Wisnik

    Decisão contra projeto da rua Jaceguai é inédita por pesar impacto no Bixiga

    03/10/2016 02h00

    Gabriela Di Bella/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 30-01-2016, 13h00: Terreno ao lado do Teatro Oficina onde devem ser construídos ediícios após longa luta entre o teatro e os donos do terreno, Iphan deve liberar a construção em breve. A obra irá tapar as janelas do Teatro que é projeto da aqruiteta Lina Bo Bardi. (Foto: Gabriela Di Bella/Folhapress, ILUSTRADA) ***exclusivo***
    Terreno alvo de disputa ao lado do Teatro Oficina

    Fato inédito. Pela primeira vez na história o Condephaat (órgão do patrimônio histórico do Estado) não aprovou um projeto apresentado pelo Grupo Silvio Santos para os seus terrenos na rua Jaceguai, Bixiga, em torno do Teatro Oficina. Tal decisão representa uma tomada de posição importante. O que é que está em jogo?

    O Oficina possui um tombamento muito singular, formulado em 1982 pelo arquiteto Flávio Império, então conselheiro do Condephaat e autor do projeto de reforma do teatro, realizado em 1966 após um incêndio que destruiu o edifício anterior. Àquela altura, em 1982, a concepção cênica da companhia já pedia a derrubada do palco italiano, em prol de uma dramaturgia baseada no coro, e não em personagens protagonistas. Daí a criação de um palco-pista que se assemelha ao sambódromo, ladeado por arquibancadas metálicas, no novo projeto de Lina Bo Bardi e Edson Elito que, naquele momento, começava a se desenvolver, e que ficaria pronto apenas em 1993 com a reabertura do teatro.

    Compreendendo muito bem a questão, Império propôs um tombamento que não engessou essas mudanças, protegendo o Oficina mais pela imaterialidade de sua produção teatral de vanguarda, sempre em movimento, do que pela materialidade perene do edifício. Tal virtude de compreensão do tombamento, no entanto, revelou-se uma fragilidade na disputa com o vizinho Silvio Santos desde então, já que não permite diretrizes tão claras de proteção do edifício em relação às construções envoltórias. Uma atualização do tombamento do teatro, regularizando a situação do edifício que hoje lá existe –eleito pelo jornal britânico "Guardian", em 2015, como "o melhor teatro do mundo"–, é fundamental.

    O projeto apresentado pela Sisan Empreendimentos, braço imobiliário do Grupo Sílvio Santos, propõe a construção de duas torres residenciais de aproximadamente 30 andares cada uma, ocupando boa parte do terreno onde antes haviam casas térreas e sobrados. Levando em conta a evidente desproporção de escala entre o projeto e a feição histórica do bairro, da quadra, e do bem tombado em seu miolo –o Oficina–, o parecer do Condephaat vetou a proposta com base nos critérios de "visibilidade e destaque". Tal decisão inédita, que se colocou claramente em favor do interesse público, oferecendo limites ao poder da especulação imobiliária, foi muito favorecida por uma importante discussão que se deu, ali, entre os conselheiros do órgão.

    A novidade foi a argumentação de que a discussão não poderia se resumir a uma disputa entre vizinhos, e que o conselho deveria analisar o projeto à luz do impacto que ele criaria em toda uma ambiência urbana, que inclui cinco bens tombados pelo Condephaat: o Teatro Oficina, a Casa da Dona Yayá, o Teatro Brasileiro de Comédia, a Escola de Primeiras Letras e o Castelinho da Brigadeiro. Essa é, de fato, uma reflexão crucial. O Condephaat não é apenas um órgão técnico, que delibera sobre questões pontuais, como a distância maior ou menor de um empreendimento em relação a um bem tombado. Trata-se, ao contrário, de um conjunto de notáveis, que têm por missão formular, dentro das leis vigentes, qual é a cidade que se quer no presente e no futuro, à luz de uma visão progressista de patrimônio cultural. E é isso que o Condephaat sinalizou com sua decisão inédita.

    guilherme wisnik

    Escreveu até janeiro de 2017

    É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e crítico de arte.

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